sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Panorama Coisa de Cinema – Parte V


Agora é pra finalizar. Impressões sobre os últimos filmes vistos no Panorama:


Trampolim do Forte (Idem, BA/BR, 2010)
Dir: João Rodrigo Mattos


Se o cinema feito na Bahia tem bambeado (há um bom tempo) na busca por um registro potente que faça jus a todo um histórico de efervescência cultural em torno do audiovisual no estado, Trampolim do Forte vem reforçar ainda mais essa necessidade por imprimir uma certa “baianidade” nas histórias, como forma única de atribuir valor a seu produto.

O filme insere uma série de personagens infantis que transitam entre o rte do Porto da Barra e adjacências a fim de buscar um olhar sobre as mazelas sociais que afligem esses garotos de origem pobre que trabalham e perambulam pelas ruas da cidade. E aí reside um ponto negativo do filme: uma tentativa desesperada pela denúncia social que reduz uma série de outros personagens em caricaturas (os policiais corruptos, o estuprador misterioso, o pastor oportunista, etc.) e que faz a narrativa girar em torno de uma piedade para com seus personagens mirins.

Existe toda uma simplicidade na forma como o filme retrata esses meninos em seu cotidiano, muito provável a melhor coisa do filme (os melhores momentos surgem da interação entre os protagonistas, Felizardo e Déo). Mas quando aparecem na trama as reviravoltas, mistérios e meandros dramáticos que englobam uma série de personagens e situações, a narrativa perde em verossimilhança e leveza. Fica o gosto de mais uma oportunidade desperdiçada.


Transeunte (Idem, RJ/BR, 2010)
Dir: Eryk Rocha


A trajetória de seu Expedito (Fernando Bezerra), um senhor de idade, sem esposa ou filhos, morando agora sozinho depois da morte recente da mãe de 81 anos, parece ser a história ideal da decadência e desolação que marcam o fim da vida de alguém. Pois o grande mérito de Transeunte é justamente expor o contrário, transformando a rotina desse personagem num caminho de autoaceitação e felicidade prováveis, na medida do possível e a passos lentos.

Não se trata aqui de superação, é muito mais que isso. Expedito vai aprender a conviver com suas limitações de idade, seu ritmo próprio e sua condição solitária. E o grande mérito do filme é respeitar enormemente esse personagem, sem olhares de piedade. O ritmo lento, o preto-e-branco de uma fotografia belíssima e nunca carregada e os planos bastante fechados nesse personagem que perambula pelas ruas do Rio de Janeiro só reforçam a relação de observação que o filme mantém com Expedito e sua rotina do jeito que se inscreve, acompanhando-o aonde ele for, sem interferências.

Apesar das duas horas de projeção que fazem o filme parecer maior do é, até mesmo pela sua atmosfera contemplativa, Transeunte poderia ser mais palatável se fosse um pouco mais enxuto. Mas trata-se de uma história que surpreende pela demonstração de dignidade que o protagonista nos oferece, sem amargor.


Vigias (Idem, PE/BR, 2010)
Dir: Marcelo Lordello


No atual cinema pernambucano, muito se tem discutido e posto em pauta a questão da moradia (como nos casos de Avenida Brasília Formosa ou Um Lugar ao Sol). Vigias pode ser visto como uma dessa vertentes, embora seu olhar esteja direcionado aos profissionais que passam a noite vigiando casas e edifícios enquanto seus moradores dormem tranquilos em suas residências.

O registro é dos mais válidos pela oportunidade de voz que dá a esses personagens anônimos do dia a dia, mas o que falta ao filme (ou aos personagens com suas falas) é um discurso que seja relevante, que tenha algo importante e não comum ou já esperado a ser dito. Não que as dificuldades e peculiaridades do ofício não sejam relevantes, mas soam como algo sem grande interesse.

Há ainda toda a discussão sobre o problema da violência e da necessidade pela segurança, o que acaba justificando o trabalho daquelas pessoas. Ainda assim, trata-se de algo que perpassa mais as entrelinhas do filme do que necessariamente uma preocupação temática forte evidenciada pelo longa. No fim das contas, Vigias se apresenta como um registro mais quadrado e sem grandes pretensões.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Panorama Coisa de Cinema – Parte IV


Depois de terminado o Panorama e com os vencedores dos júris devidamente escolhidos (podem ser conferidos aqui), é hora de falar sobre os longas-metragens que foram exibidos na competição nacional. Uma parte deles aqui:


O Céu Sobre os Ombros (Idem, MG/BR, 2010)
Dir: Sérgio Borges


Se, de longe, pode parecer muito simplista identificar O Céu Sobre os Ombros como um filme de personagens, basta assistir ao filme para entender a riqueza de tipos humanos que o diretor estreante Sérgio Borges escolhe para compor sua estreia. O longa apresenta três pessoas que passam a ser filmadas em seu cotidiano, sem grandes acontecimentos. A força disso se encontra justamente naquilo que eles já são.

Temos o jovem Bogus, praticante da seita Hare Krishna, cozinheiro de restaurante natural, atendente de telemarketing e também líder da torcida organizada do Atlético Mineiro; o angolano radicado no Brasil Lwei, aspirante a escritor, dono de um discurso aparentemente sem nexo, e pai de um filho deficiente; e, talvez o mais interessante de todos eles, a transexual Evelyn, formada em psicologia, doutoranda, professora universitária e prostituta por opção.

Visto assim, parecem personagens criados por uma mente fértil de roteirista. Mas são figuras reais com quem o diretor teve contato; e mais ainda, os convidou a interpretarem a si mesmos diante das câmeras. Para além do mérito de por em cheque a relação conflituosa (mas por vezes complementar) entre documentário e ficção (pois o filme não só registra, como também recria situações da vida deles), o cineasta toma o cuidado para filmar com câmera estática a vida daquelas pessoas, sem tentar forçar nenhuma conexão entre eles. Mais interessa o peso do mundo que paira por sobre essas figuras tridimensionais e, por isso mesmo, tão impressionantes.


Laura (Idem, SP/BR, 2010)
Dir: Fellipe Gamarano


Laura é o retrato de decadência. A decadência social da personagem título, uma brasileira radicada em Nova York há mais de 25 anos. A câmera do longa persegue essa mulher de meia idade, longe de se deixar expor totalmente para o filme. E aí reside um dos maiores mérito da obra: Laura, por mais que seja foco de observação concedida, nem sempre vai facilitar o trabalho de desvendamento de si mesma. Uma figura misteriosa, portanto.

O tema da decadência surge por um discurso dela própria de se colocar como pessoa influente nos círculos mais glamorosos e sofisticados da vida badalada de astros e estrelas de cinema, como mulher poderosa de acesso fácil às festas e eventos do mainstream estelar. Mas o que vemos nas entrelinhas do filme é justamente o lugar deslocado dessa personagem que já pertenceu (ou sempre sonhou pertencer e nunca conseguiu) a esse grupo seleto.

E por mais que esse tipo de figura possa facilmente cair na chacota, chama atenção o tom sempre respeitoso que o filme confere a ela, que nunca a destrata ou desmente. O diretor Fellipe Gamarano respeita seu objeto de observação, ao mesmo tempo em que bate de frente com ele, dada a personalidade forte de Laura que chega, muitas vezes, a confrontar o diretor e equipe de filmagens, impondo limites e regras. Ganha com isso o próprio filme que se constrói como um working in progress (e o próprio diretor está trabalhando numa versão maior do projeto) e também como retrato que tenta desvendar uma personagem ímpar.


Avenida Brasília Formosa (Idem, PE/BR, 2010)
Dir: Gabriel Mascaro


No bairro recifense de Brasília Teimosa, moradores que viviam nas palafitas sobre o mar tiveram de deixar suas casas por conta dos riscos de vida e foram alojados na recém construída Avenida Brasília Formosa. É partindo desse espaço que Gabriel Mascaro irá mirar personagens tão distintos: o garçom e cinegrafista Fábio, a manicure Débora que tenta uma vaga para participar do Big Brother Brasil, o pescador Pirambu e o menino Cauã, de 5 anos de idade.

A câmera assume o registro da vida cotidiana daqueles personagens, o que aproxima bastante esse filme de O Céu Sobre os Ombros, muito embora a cidade não apareça no filme mineiro com a mesma importância que tem nesse aqui. Na verdade, o espaço geográfico tem uma presença enorme no filme porque é naquele lugar que o diretor trabalha as questões de sobrevivência que uma classe média baixa enfrenta no seu dia a dia.

Gabriel Mascaro já havia lançado um olhar sobre a questão da moradia no seu filme anterior Um Lugar ao Sol (exibido ano passado no Panorama), mas que focava nos moradores de classe alta que residiam nas coberturas dos apartamentos mais caros de Recife. Assim, Avenida Brasília Formosa representa o outro lado do espelho. Uma pena que seu filme ofereça tão pouco. Depois de apresentar seus personagens, pouco mais tem a acrescentar num filme que parece dar voltas em torno de si mesmo. A intenção de filmar o cotidiano daquela comunidade já se solidifica na metade do filme. O que vem a seguir é só reiteração, o que não desmerece o valor documental e a sinceridade que seu filme possui.


A Alegria (Idem, RJ/BR, 2010)
Dir: Felipe Bragança e Marina Meliande


A Alegria tem provocado cisão. Há quem despreze totalmente, há os que veem nele um grande passo para um cinema inovador e longe de amarras e pasteurizações, essas que acometem o cinema brasileiro atual. Parte da chamada trilogia Coração no Fogo (formada pelo anterior A Fuga da Mulher Gorila e posteriormente por Desassossego (Filme das Maravilhas), esse último um trabalho coletivo), A Alegria aposta numa narrativa calcada no anti-naturalismo para falar da militância de um estado de espírito.

Nesse sentido, é mesmo um filme de ruptura, pois exige uma postura diferente ao encará-lo. E é talvez isso que falte à muita gente que tem execrado o filme. Porque é preciso ver a narrativa sob outro estado de abstração, totalmente metafórico e extremamente lúdico, dialogando com o gênero fantasioso, para adentrar a grande metáfora do medo que precisa ser combatido pela defesa da alegria.

Encontramos a jovem Luisa (Tainá Medina) de 16 anos que tem um primo baleado e passa a se refugiar em sua casa no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, a jovem toma pra si, em companhia de seus amigos, e talvez de forma inconsciente, a necessidade de enfrentar certo estado de aprisionamento, consequência da violência e barbárie carioca dos últimos anos. Existem no filme ecos de Apichatpong Weerasethakul e do M. Night Shyamalan de Corpo Fechado, principalmente deste último que parece ser uma evocação forte ao fim de A Alegria e da própria concepção de super-heróis, grande apologia àquilo que devemos buscar nos tornar para enfrentar o mal do temor.

domingo, 18 de setembro de 2011

Moviola Digital – 4 anos


O aniversário foi na sexta, mas não vejo problemas em comemorar hoje. Porque o Moviola Digital permanece mais vivo do que nunca. Claro que não dá forma que eu pretendia, com mais textos, por exemplo, mas pelo menos não houve regressão como eu imaginava num ano tão incomum para mim. A vinda para Salvador tem mudado muita coisa, mas é parte da própria maturidade pessoal e cinéfila que vamos alcançando ao passar do tempo.

O blog, membro da Sociedade Brasileira dos Blogueiros Cinéfilos desde sua fundação, também ingressou este ano para a seleta Liga dos Blogues Cinematográficos, ambos espaços que agregam muita boa gente.

Resta dar um grande salve a todos que contribuem com suas visitas (mesmo as anônimas) e comentários porque é para isso que este espaço é feito e se mantém até hoje. O melhor de tudo é a sensação de que não estou falando sozinho.

Ilustram o post 10 filmes que passaram aqui no último ano e que, de alguma forma, elevaram a experiência cinematográfica desse que vos escreve. E que venham muito mais filmes e mais pessoas a fim de falar de cinema. Vida longa ao Moviola Digital!


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Carência de evolução

Planeta dos Macacos – A Origem (Rise of the Planet of the Apes, EUA, 2011)
Dir: Rupert Wyatt



A tentativa de atualização de obras clássicas do cinema é sempre algo muito arriscado, embora a indústria do grande espetáculo nunca irá deixar de assim fazê-lo. Vende-se isso como uma necessidade contemporânea de “modernizar” as boas (ou nem tão assim) obras. É bem fácil se convencer de que isso é desnecessário, mas que tem lá seu valor quando se pretende oferecer um produto no mínimo interessante.

Planeta dos Macacos – A Origem faz juz ao ótimo material original do qual é baseado, transpondo para a atualidade a história de rebelião dos primatas contra os humanos, injetando novas ideias à história clássica. No entanto, é bastante irregular na forma como constrói sua narrativa e, principalmente, desenha seus personagens.

Conhecemos o cientista Will Rodman (James Franco) que, na tentativa de descobrir a cura para o mal de Alzheimer, através da utilização de um vírus geneticamente modificado, testado em macacos, descobre que ele acaba por aumentar o nível de inteligência dos primatas. Quando uma dos espécimes testados ataca as pessoas durante uma demonstração da eficiência do experimento, a empresa decide abortar as pesquisas. No entanto, Will resolver levar para casa o filhote da macaca, o pequeno Caeser.

Ele será o personagem principal da história. Assim, os melhores momentos do longa serão aqueles que mostram o crescimento e a enorme desenvoltura intelectual de Caeser, além do seu despertar acerca da necessidade de se rebelar contra a raça humana. No entanto, o filme parte de uma visão um tanto maniqueísta para ilustrar as atitudes “maldosas” das pessoas que Ceaser encontra, exceto da família que o abrigou, que conta ainda com o pai doente de Will (John Lithgow) e a noiva do cientista (Freida Pinto), todos muito carinhosos e bonzinhos.

É aí que a narrativa perde considerável qualidade quando o foco recai sobre esses humanos tão bidimensionais e pobremente representados (e fora Lithgow, Franco e Pinto surgem como os atores apagados que comumente são). Não se explica por que, inconsequentemente, Will resolve levar Caesar para casa, ou o que passava na sua cabeça em testar no pai (que sofre de Alzheimer, olha que coincidência!) uma substância cuja eficiência ainda não está completamente comprovada. O que acontece é que o filme precisa dessas intervenções para seguir adiante.

Mas a história só não é mais dificilmente crível porque um dos grandes trunfos do filme é a construção dessa percepção de Caeser, que encontra no ator Andy Serkis um grande intérprete. Por baixo de toda a tecnologia de captura de movimento computadorizada, com a qual o ator já está acostumado (viveu, magistralmente, o King Kong no filme homônimo de 2005 e Gollum na série O Senhor dos Anéis), existe uma performance cuidadosa em expressar os sentimentos e angústias do macaco. Graças à qualidade dos efeitos especiais, essas expressões ficam bem marcadas no personagem. Uma pena que a qualidade desses efeitos não seja uniforme em todo o filme.

Mesmo assim, a própria construção da “revolução” dos primatas surge como algo previsível e pouco estimulante porque já desenhamos em nossa mente o que vai acontecer. Se a ideia era atualizar, então, Planeta dos Macacos – A Origem precisa evoluir mais um pouco para entregar algo que seja realmente estimulante e tenha vida própria.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Terreno invadido

Cowboys & Aliens (Idem, EUA, 2011)
Dir: Jon Favreau



A mistura de gêneros que o filme promete desde seu título e que cumpre durante toda a projeção é o maior acerto desse projeto. Cowboys & Aliens é filme pipoca empolgante, divertido, embora perca um tanto de sua força a partir da metade final quando é preciso engolir algumas viradas do roteiro. Mesmo assim, garante a diversão.

Jake Lonergan (Daniel Craig) acorda no meio do deserto do Arizona sem se lembrar de como foi parar ali. Nota que possui um estranho bracelete de metal no braço, também desconhecendo a origem do objeto. Ao chegar na cidade Absolution, descobre que está sendo procurado pelo poder local, mas toda a cidade é surpreendida por um ataque de criaturas extraterrestre em naves espaciais.

É interessante pensar em como o western, como gênero dito “do passado”, parece ainda vivo atualmente, seja na constituição de uma obra puramente ligada ao gênero, como em Bravura Indômita (aliás, releitura de um outro filme de western), seja nessa investida em reprocessar os princípios do filme de faroeste nesse Cowboys & Aliens (para ficar em dois exemplos recentes), os fazendo encontrar as particularidades de um outro tipo de filme marcadamente americano, o de alienígenas.

É dessa “brincadeira” que nasce o frescor do filme. Os mistérios que rondam a narrativa é outro ponto positivo do início do longa, pois institui no espectador uma série de dúvidas e expectativas: onde Jake estava, por que não se lembra de nada, de onde veio o bracelete, por que ele é procurado e considerado perigoso, qual o mistério que ronda a bela (interpretada por Olivia Wilde)?

As resoluções dessas questões, e o aparecimento de outras, são desenvolvidas no decorrer da narrativa. O grande problema, no entanto, é que algumas delas esbarram em questões ora um tanto clichês, ora um tanto difíceis de comprar, e o roteiro acaba por investir em resoluções discutíveis. O que não atrapalha o clima de aventura e mistério do projeto.

Jon Favreau, diretor das duas ótimas histórias do Homem de Ferro, faz mais um bom trabalho aqui. A ambientação do western é ótima, com o clima de tensão estabelecido desde a primeira sequência do filme. Mas a melhor parte talvez seja o primeiro ataque alienígena, que mistura o inusitado da situação com o choque da recepção por parte dos moradores locais.

Auxiliado por ótimos efeitos especiais, Cowboys & Aliens poderia ser uma grande decepção por contar somente com um argumento interessante. É só um pouquinho mais que isso, o que não tira o mérito da produção.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Panorama Coisa de Cinema – Parte III


Antes de partir para os filmes da Competição Nacional, mais algumas coisas vistas no meio do caminho:


Riscado (Idem, Brasil, 2010)
Dir: Gustavo Pizzi


Diferente de muitos trabalhos nacionais exibidos durante o Panorama (e em competição), Riscado, como produção independente, acerta muitíssimo bem ao injetar naturalismo num filme cuja maior força é a história que quer contar, focado numa personagem a quem nos identificamos de cara e por quem passamos a torcer, sem abusar de artifícios estéticos para isso.

Bianca (Karine Teles, esposa do diretor) é uma atriz que faz pequenos trabalhos, desde animação de festas de aniversário fantasiada de Marilyn Monroe, Betty Page e Carmen Miranda, entrega de panfletos nas ruas, além de atuar numa peça de teatro. Mas sua grande oportunidade aparece quando ela é convidada a protagonizar um filme, coprodução entre Brasil e França.

De uma simplicidade incrível, sem cacoetes de filme de alternativo, Riscado acompanha a luta de uma atriz em se firmar no mundo como tal. O maior desafio nesse sentido é ser reconhecida pelos outros dessa forma, e com a dignidade que a profissão exige.

O diretor brinca, sabiamente, com o formato dos quadros do filme. Por vezes ele apresenta cenas em 16 mm ou super 8, o que confere uma atmosfera bastante intimista para esses momentos, reforçando o olhar singelo sobre essa mulher tentando sobreviver com o seu trabalho. É um filme que faz dessa motivação sua maior arma, mesmo que a luta ainda pareça ser bem mais dura de vencer.


Verão de Golias (Verano de Goliat, México/Canadá/Holanda, 2010)
Dir: Nicolás Pereda


Esse filme começa com um registro documental fortíssimo: crianças são entrevistas para falar sobre Golias, um rapaz acusado de ter matado a namorada. Depois disso, o longa ganha contornos ficcionais apresentando outros personagens em situações completamente distintas: uma mulher deixada pelo marido, dois soldados que almejam conseguir armas de fogo para intimidar outras pessoas, etc.

É mais um desses filmes de múltiplas histórias que se entrecruzam ligeiramente pelos laços familiares de uns com os outros. Até aí, nenhum problema (embora a história do garoto acusado de assassinato seja muito melhor do que todas as outras juntas). Mas no fundo, o longa é um grande exemplo de “filme de arte” cheio de pretensões estéticas que se querem alternativas e moderninhas.

Não passa de um grande exercício de estilo em que a narrativa, com planos longuíssimos, filmados com câmera na mão, tenta capturar um certo cotidiano de registro da vida daquelas pessoas sem grande interferência. O problema é que as histórias não engatam, e os conflitos, depois de estabelecidos, permanecem praticamente inalterados. Sobra muita chatice e vazio até o filme terminar. As últimas cenas retomam a história de Golias, justamente aquela que o filme nunca deveria ter abandonado.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Science fiction reprocessada

O Homem do Futuro (Idem, Brasil, 2011)
Dir: Cláudio Torres


Por essas ironias do acaso, eu acabei vendo esse filme, em cabine, na mesma época do Panorama Internacional Coisa de Cinema, que trouxe uma série de filmes nacionais bastante interessantes e de caráter muito mais autoral e libertário (citando alguns, Transeunte, O Céu Sobre os Ombros, A Alegria). Apesar de serem propostas diferentes de cinema, decepciona ver os produtos que realmente chegam às salas de cinema como esse O Homem do Futuro, os filmes mais pasteurizados e comuns, no sentido de sem inventividade mesmo, em detrimento de outros que têm mais coração.

Cláudio Torres começou a carreira de forma bastante promissora com o surpreendente Redentor. Mas o filme foi péssimo de público e ele quis fazer algo mais popular; resultou no terrível A Mulher Invisível. E agora, seguindo o mesmo caminho das bilheterias fáceis com filmes descartáveis, ele lança essa comédia romântica sem pouca inspiração narrativa.

De uma certa forma, os três filmes possuem em comum o interesse pela ficção científica e pelo tom fantasioso, cercado por comicidade. Mas nesse seu último trabalho, roteiro e execução se mostram os mais comuns, banais e previsíveis no desenrolar da narrativa, como repetecos de um tipo de cinema hollywoodiano que reprocessa suas fórmulas a cada novo filme lançados aos montes num mesmo ano.

Waner Moura, grande personalidade do cinema brasileiro depois de seu sucesso com Tropa de Elite, encarna aqui um cientista que, ao tentar criar uma nova forma de produzir energia, acaba encontrando uma maneira de voltar no tempo. É aí que ele resolve mudar seu passado, fazendo com que sua amada Helena (Alinne Moraes) fique com ele para o resto de sua vida e ele se torne um homem realizado.

Há de se pensar na utilização de cinema de gênero pelo filme, mas a história acaba caindo mais na comédia do que na exploração da ficção científica. Nada contra, caso o filme tivesse mais momentos realmente engraçados. Busca-se isso através da caricatura dos próprios personagens, a começar por Wagner Moura encarnando o cientista maluco nerd, sem jeito com as mulheres e abobalhado por natureza.

Aline Moraes, por sua vez, é a garota bonitaça, mas que parece perdida num roteiro que a faz ser convencida pelo personagem de Moura toda vez que ele aparece com uma nova história. Isso porque o protagonista retorna ao tempo mais de uma vez, já que uma das boas idéias do filme é mostrar como a mudança de nosso destino (considerando que ele já está pré-estabelecido) é mais complicada do que parece, apontando para a necessidade de aceitar os fatos como são, embora o protagonista insista em fazer essas modificações.

Seria corajoso se o longa assumisse de vez essa proposta, mas como não parece ser possível nesse tipo de projeto, o filme prefere se refugiar no conforto de um final feliz e que faz questão de explicar todas as “pontas soltas” (em aspas porque previsíveis) que foram deixadas no meio do caminho. Mais de um mesmo que o cinema brasileiro está aprendendo a imitar, O Homem do Futuro éoutra grande decepção de seu diretor.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Super-didático

Lanterna Verde (Green Lantern, EUA, 2011)
Dir: Martin Campbell


Talvez seja o (bom) costume de adorar os filmes de super-heróis da Marvel e sua qualidade não só técnica, mas também narrativa, que faz esse Lanterna Verde empalidecer um tanto. Sei que as comparações não devem servir de parâmetro, mas vendo o filme dá a impressão de uma história didática demais sobre a formação de um herói e a tomada de responsabilidade que sua nova condição exige.

Se a expressão “com grandes poderes veem grandes responsabilidades” pode soar batida e desgastada aqui é porque o filme prefere se manter nesse campo de previsibilidades, sem trazer nada muito mais interessante à história. Particularmente, não conheço a fundo a HQ original em que foi baseado o filme. De qualquer forma, o longa não se arrisca, mas também não chega a ser desastroso.

Hal Jordan (Ryan Reynolds) é esse piloto de aeronaves, um tanto irresponsável, que será escolhido para fazer parte da tropa dos lanternas verdes, poderosos soldados intergaláticos que formam uma espécie de guarda de todos os planetas e galáxias do universo. O surgimento de Parallax, inimigo maléfico que pretende dominar o cosmo, surge como ameaça e Hal precisa provar que pode ser um dos lanternas protegendo o Planeta Terra dessa ameaça.

O problema maior do filme é de identificação desse personagem com o público, uma vez que o Lanterna Verde não é dos super-heróis mais populares. Na construção desse personagem que precisa, primeiramente, entender aquele novo universo e suas regras (ideia que Hal compra com a maior facilidade), bem como lidar com seus poderes, ele ainda vai receber de cara a tarefa de proteger a Terra de Parallax. Ao mesmo tempo, ele terá de enfrentar o cientista Hector (Peter Saarsgard) que, em contato com forças maléficas de Parallax, vai desenvolver seus próprios poderes, com pretensões de usá-lo para se vingar de todos aqueles que o desprezavam, em especial seu pai (Tim Robbins).

O filme investe num visual que à primeira vista pode parecer exagerado demais na construção de todo aquele universo fantasioso, fazendo saltar aos olhos todo o CGI utilizado, mas assume muito bem essa faceta sem parecer exibido. No entanto, mais uma vez nos filmes recentes, o 3D é totalmente descartável porque quase inexistentem no filme seus efeitos (muito provavelmente o pior uso dessa tecnologia que eu já vi nos cinemas).

As boas cenas de ação se complementam com momentos mais cômicos, tendo em Reynolds um ator com um certo timing, embora perca muito quando seu personagem exige um tom mais dramático. Quando isso acontece, não só a atuação, mas o tom do próprio filme parece caminhar para saídas mais óbvias. Assim, Lanterna Verde não sai do automático, mas pelo menos não parece prometer mais que isso.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Filmes de agosto



1. Dias de Paraíso (Terrence Malick, EUA, 1978) ****½

2. Melancolia (Lars Von Trier, Dinamarca/Suécia/França/Alemanha, 2011) ****

3. Super 8 (J. J. Abrams, EUA, 2011) ***½

4. A Cicatriz (Krzysztof Kieslowski, Polônia, 1976) ***

5. A Casa (Gustavo Hernández, Uruguai, 2009) **

6. Lanterna Verde (Martin Campbell, EUA, 2011) **

7. Árvore da Vida (Terence Malick, EUA, 2011) ****

8. Morrer como um Homem (João Pedro Rodrigues, Portugal/França, 2009) ****

9. O Sopro no Coração (Louis Malle, França/Itália/Alemanha Ocidental, 1971) ***½

10. O Fantasma (João Pedro Rodrigues, Portugal, 2000) ***

11. Trabalhar Cansa (Juliana Rojas e Marco Dutra, Brasil, 2011) ***

12. O Céu Sobre os Ombros (Sérgio Borges, Brasil, 2010) ****

13. Laura (Fellipe Gamarano, Brasil, 2010) ***½

14. Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, Brasil, 2010) ***

15. A Alegria (Marina Meliande e Felipe Bragança, Brasil, 2010) ***

16. Odete (João Pedro Rodrigues, Portugal, 2005) ****

17. Trampolim do Forte (João Rodrigo Mattos, Brasil/Alemanha, 2010) **

18. Transeunte (Eryk Rocha, Brasil, 2010) ***½

19. Vigias (Marcelo Lordello, Brasil, 2010) **

20. O Verão de Golias (Nicolás Pereda, México/Canadá/Holanda, 2010) *

21. Riscado (Gustavo Pizzi, Brasil, 2010) ***½

22. Planeta dos Macacos – A Origem (Rupert Wyatt, EUA, 2011) **

23. O Homem do Futuro (Cláudio Torres, Brasil, 2011) **

24. Amor a Toda Prova (Glenn Ficarra e John Requa, EUA, 2011) ***


Revisões:

25. A Rosa Púrpura do Cairo (Woody Allen, EUA, 1985) ****½

26. A Marca da Maldade (Orson Welles, EUA, 1958) ****½