domingo, 5 de fevereiro de 2012

Curtinhas

Sapatinhos Vermelhos (The Red Shoes, Reino Unido, 1948)
Dir: Michael Powell e Emeric Pressburger


Apontado como uma das grandes referências para Cisne Negro, esse Sapatinhos Vermelhos é mais uma bela e intensa investida no universo da dança e dos sacrifícios feitos para alcançar a perfeição e o sucesso. Mas aqui, o fator romance entra em jogo através do triângulo amoroso entre a bailarina Victoria (Moira Shearer), estrela do espetáculo homônimo ao filme, e a relação dividida entre o compositor do espetáculo (Marius Goring), sua grande paixão, e Boris (Anton Walbrook), o empresário dono da companhia de dança, a própria representação do poder. Esses dois caminhos que se apresentam a Victoria representam seu dilema, pois o sucesso de sua carreira e estrelato dependem da aprovação e boa vontade de Boris, apesar do seu talento comprovado. E ele está disposto a prejudicar a própria companhia caso não consiga conquistar o amor dela.

A trama do espetáculo, sobre uma garota que calça os sapatos vermelhos que a mantêm dançando até a morte, é o puro reflexo da obstinação, temática maior do próprio longa. A dupla de diretores, que construíram uma bela parceria no cinema, filma com sutileza, mas com enorme beleza visual, além do lirismo romântico que ronda toda a história, fazendo jus ao bom melodrama. A fotografia, levemente embaçada, dota o filme de uma atmosfera quase onírica, acentuando o tom romanesco. Mas o melhor é quando as cenas de dança se afastam do “teatro filmado” e ganham o mais puro espírito cinematográfico, com trucagens, cortes rápidos e transições de cenas que o afastam do mundo dos palcos. Toda a beleza das imagens e da dança para disfarçar as disputas por poder e paixão.


Ataque ao Prédio (Attack the Block, Reino Unido, 2011)
Dir: Joe Cornish


Muito grata surpresa esse Ataque ao Prédio, lançado no Brasil direto em DVD. Filme de invasão alienígena, ambientado no subúrbio londrino dominado pelas gangues de meninos que mal chegaram à adolescência, conta com ótimos personagens jovens, senso de perigo aguçado, além de ser hilário em muitos momentos. O tipo de diversão deliciosa que sabe respeitar a inteligência de quem assiste, consegue surpreender pela seriedade com que desenvolve sua narrativa e ainda encontra espaço para comentários sociais sobre o estado de violência (e de como ele brota) nesses rincões menos “olhados” das grandes metrópoles (nesse caso, ricas). Tudo isso, através da história de aliens perigosos.

A composição visual desses bichos do espaço é das mais interessantes, dos dentes fosforescentes esverdeados ao negrume dos pelos que dificulta bastante a visibilidade por parte de suas vítimas, fazem deles seres curiosos na mesma medida que perigosos. E mesmo que exista uma atmosfera de aventura e adrenalina nas perseguições, eles causam muita sangria entre os personagens, boas doses de violência que não poupam nem aqueles com quem os filme nos faz simpatizar. O roteiro deixa passar situações relevantes (como a não intervenção de mais ninguém exceto dos jovens do bairro, em maioria negros, os párias da sociedade, embora o estado seja de calamidade geral). De qualquer forma, o filme ganha pelas diversas nuances que consegue lançar sobre esses personagens, sem nunca perder o senso de aventura e adrenalina.


Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, EUA, 2011)
Dir: Paul Feig


Eu realmente não vou com a cara de comédias que precisam de personagens idiotas, fazendo coisas idiotas só para soarem engraçados (e acabam soando idiotas). Em certa medida, é o caso de Missão Madrinha de Casamento que se esforça para ser uma comédia escrachada versão feminina de tantas outras por aí em que homens com idade mental reduzida fazem bobagens juntos (Se Beber Não Case é uma primeira lembrança). Aqui, quando a melhor amiga de Annie (Kristen Wiig, também roteirista) a convida para ser sua madrinha de casamento, ela, é claro, se atrapalha completamente nas tarefas de auxiliar a noiva e preparar as prévias do casório, além de amargurar seu próprio encalhamento e vazio emocional. Então começam as trapalhadas que envolvem a entrada em cena de outras amigas esquisitas com quem Annie precisa lidar, além da rivalidade com a socialite Helen (Rose Byrne), muito mais apta para os afazeres da ocasião.

Cada uma delas tão excêntricas como abobalhadas (a personagem de Melissa McCarthy, gorda e solteirona, é a que mais sofre com a caricatura e o exagero para parecer engraçada – e ainda é um mistério para mim sua indicação ao Oscar). Daí que vêm as situações inconvenientes de onde o filme tenta tirar sua graça (sinceramente, moças cagando em pias ou num vestido de noiva não me fizeram rir, tipo de humor escatológico que soa carregado, preguiçoso e datado demais). Mas as coisas mudam quando, na terceira parte do filme, os dilemas de solidão amorosa de Annie e sua relação com os laços de amizade têm maior destaque, as personagens ganham nuances e o filme encontra o caminho entre o carinhoso e o divertido, sem se render a idiotices. Mudança que vem tarde demais.


Toda Forma de Amor (Beginners, EUA, 2010)
Dir: Mike Mills


Toda Forma de Amor tenta se beneficiar bastante de um certo tom melancólico que provém não só do estado de momentânea apatia de um filho (Ewan McGregor), como também da doença terminal de um pai (Christopher Plummer). Acontece que esse pai, agora viúvo, resolveu assumir sua homossexualidade já em idade avançada, o que injeta ao mesmo tempo estranhamento e uma certa coragem nesse filho com dificuldades de manter relacionamentos. Uma pena que o tom de produto indie, apostando em certas esquisitices e tom tristinho, torna muitas coisas no filme dispensáveis e engessadas, girando de forma não-linear sobre sua própria melancolia.

Christopher Plummer, cotadíssimo para o Oscar de coadjuvante por esse trabalho, está bem (é o tipo de premiação pelo conjunto da obra, para os velhinhos). Mas bem mesmo está Mélanie Laurent esbanjando doçura e beleza, numa personagem misteriosa, embora cheia de estranhezas, contornados muito bem pela atriz que faz um ótimo contraponto a McGregor e seu baixo astral. No conjunto da obra, são as atuações, na medida exata, sem exageros, a grande força de sustentação do filme, embalado por um musiquinha doce (e triste, no pianinho, é claro).

3 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

Desses só vi BEGINNERS, e acho que é isso mesmo: um filme indie bonitinho, delicadinho, mas nada demais. Gosto de todas as atuações, mas o Plummer realmente vai ganhar pelo conjunto da obra.
Quanto aos outros, guardo enormes expectativas sobre SAPATINHOS VERMELHOS e me interessei ainda mais por ATAQUE AO PRÉDIO após ler seu texto. E, apesar de não ter visto MISSÃO MADRINHA DE CASAMENTO, tenho a impressão de que pensarei exatamente o que você pensou sobre o filme.

Gustavo disse...

A história de SAPATINHOS realmente tem pontos em comum com a de CISNE NEGRO, só que ela foi levada às telas com graça e envolvimento em vez da pretensão de 'se mostrar', apenas - desculpa aí, se tu fores fã do filme do Aronofsky.

Rafael Carvalho disse...

É Wallace, o filme nem consegue ficar muito tempo na nossa mente. Laurent merecia bem mais uma indicação. E veja mesmo Ataque ao Prédio, é uma delícia de filme.

Valeu pela alfinetada, Gustavo. Não sou fã do filme do Aronofsky, mas gosto do Cisne Negro. Acho que é over como vários trabalhos anteriores do diretor, por isso entendo que muita gente não tenha gostado do filme. E claro que Sapatinhos Vermelhos tem outra vibe, é muito mais gracioso.