sábado, 3 de novembro de 2012

Mostra SP – Parte 8





O Frágil Som do Meu Motor (Idem, Portugal, 2012)
Dir: Leonardo António


Do frutífero cinema que nos tem chegado de Portugal (só na Mostra tem dois grandes, Tabu e O Gebo e a Sombra), há também uns filmes sofríveis, desses que a cada nova reviravolta ou desdobramento do roteiro revela-se um desastre narrativo, além da sensação de não querer terminar nunca. O Frágil Som do Meu Motor é desses, reprocessando dentro do gênero policial ideias interessantes, mas nunca bem trabalhadas, uma bagunça tremenda.

O filme abandona as histórias inventivas que os irmãos lusitanos têm feito para cair nas bobagens de uma investigação criminal por parte de uma enfermeira, amiga do detetive que cuida do caso, e que trabalha no hospital em que uma das vítimas, uma mulher grávida que foi inteiramente queimada, está entre à beira da morte. Junta-se a isso a crise no casamento da mulher e seu envolvimento sexual com um homem secreto que ela nunca vê e que pode ser o assassino.

Temos então um emaranhado de situações e possibilidades. Mas parece que o filme faz as piores escolhas narrativas possíveis, sempre abusando da inteligência do espectador. O final é um desastre de absurdos e de condescendências para os personagens bonzinhos, fazendo tudo terminar de modo satisfatório para o espectador mais certinho à espera de finais confortantes.

Na verdade, existe até uma grande ideia aqui: quem narra o filme é um bebê que ainda está na barriga da mãe. É assim que o filme começa, com esse off estranho, mas apresentando um ponto de vista interessante. Pena que o filme logo abandona essa sua melhor sacada (só iremos ouvir o bebê novamente no fim) para cair nos lugares-comuns das investigações do assassinato enquanto o filme vai dando pistas falsas da identidade do assassino.  Na verdade, o filme todo é uma pista falsa, um erro.


Tiro na Cabeça (Headshot, Tailândia/França, 2012)
Dir: Pen-Ek Ratanaruang

Esse filme talvez tenha um dos argumentos mais interessantes de todos que vi aqui: assassino de aluguel é baleado na cabeça, fica de coma e quando acorda passa a enxergar tudo de ponta cabeça, literalmente. O que acaba se tornando uma grande decepção porque esse mote é totalmente desperdiçado por uma narrativa frouxa que ora não sabe se emula o filme policial ou se atém às inquietações psicológicas do seu protagonista.

Vindo da Tailândia, cuja nossa maior referência no cinema é o trabalho zen-metafísico de Apichatpong Weerasethakul, é bastante interessante conhecer esse mesmo país do ponto de vista urbano e seu estado de violência. Mas Pen-Ek pouco filma ação, tem mais de introspecção que deixa a narrativa arrastada e desinteressante. Não que as dúvidas e inquietações do personagem não sejam válidas, mas o filme nunca encontra uma roupagem ideal para representar essas situações, parece mais psicologia barata do homem que conversa a sós com seus demônios.

Quando entra no campo da ação, é mau filmado, sem tensão. É decepcionante também presenciar um personagem que conhece o mundo do crime e suas artimanhas (ou que supunha conhecer) caindo em armadilhas fáceis de bandidos e de mulheres fatais, se enroscando cada vez mais no jogo de gato e rato (ele tenta descobrir quem o quis morto). Como o fato do protagonista ver as coisas de cabeça para baixo quase nunca é usado no filme como aspecto de estranheza e fator de adaptação, Tiro na Cabeça é mais um filme que desperdiça grandes sacadas, preferindo o caminho mais banal, mais sem sal.


Herança (Inheritance, França/Israel/Turquia/Palestina, 2012)
Dir Hiam Abbass


Hiam Abbas é uma ótima atriz, figurinha carimbada em filmes judeus e árabes, possui postura e presença ideias quando precisa interpretar mães coragem em meio aos conflitos políticos e ideológicos do Oriente Médio (a própria Abbas atua aqui justamente nesse papel!). Como diretora estreante em longas-metragens, no entanto, parece mais interessada em diversificar sua carreira porque seu filme tem muito pouco a dizer.

No seio de uma família palestina, no prenúncio de mais um confronto bélico no Líbano, surgem os conflitos de sempre. Filha quer casar com um inglês, pondo a perder a tradição da família; tio faz acordos com israelenses para conseguir cargo político; outro cai em desgraça porque é estéril e não pode ter filhos. Tudo isso quando o patriarca da família fica mal de saúde e os segredos e iras se potencializam.

Herança vem para reprocessar as mesmas histórias com os mesmo tipos de desdobramentos da cultura árabe e de seus conflitos políticos na região, coisas que já conhecemos de outros filmes e narrativas, nada muito de novo. Como cinematografia, o filme não faz feio, passa sem tropeços de ritmo. Mas é seu roteiro acomodado que não deixa margem para aprofundamentos e desdobramentos mais relevantes.

Dirigido por uma figura feminina forte, o papel da mulher numa sociedade de machismo arraigado tem lugar cativo como questão centralizada pelo filme, a mulher sempre em desvantagem. Mas mesmo aí a história não consegue ir além do que já sabemos sobre esse cruel traço cultural. Herança é um filme facilmente esquecível.


Melhor Não Falar de Certas Coisas (Mejor No Hablar de Ciertas Cosas, Equador, 2012)
Dir: Javier Andrade


No final de um dia péssimo para filmes, eu precisava arriscar e tentar ver alguma coisa interessante. Esse produto equatoriano era o único que se encaixava no horário e apostei minhas fichas sem informação nenhuma do que veria. Não é que compensou? Para um país que filma pouquíssimo por ano (uma média de sete longas, isso se o ano for bom), esse aqui não se sai tão mal.

O cineasta Javier Andrade constrói um drama familiar forte e com toques de humor, embora por vezes se perca ao equilibrar as duas coisas. Tem momentos em que exagera no drama gritado e outros que não parecem levar tão a sério certas situações que se desdobram ali, caindo num humor negro que pode funcionar ou não. Ou seja, é um filme que sempre anda na corda bamba, conseguindo se manter de pé melhor do que se espera. Muito porque o roteiro sempre investe em novos desdobramentos.

E há muito de crítica social embasada nessa história que tem lugar em Porviejo, cidade natal do diretor. Se ele bem conhece aquilo ali, a história dos irmãos Luis (Victor Arauz) e Paco (Francisco Savinovich) tem algo de muito convincente. São dois filhos de papai, riquinhos, que vivem entre a irresponsabilidade, o desequilíbrio familiar e a curtição. Um deles tenta a vida como vocalista de uma banda punk, enquanto o outro tem um caso com uma mulher casada, sem saber ainda o que quer da vida.

Há também a forte relação de ambos com as drogas, de que são viciados (problema grave daquela região), capazes de depenar os bens de qualquer ente próximo para alimentar o vício, muito embora o filme não espetaculariza nem glamouriza isso, mas não deixa de ser uma marca forte ali. E o filme ainda deixa para o fim uma grande alfinetada social, no revés em que determinado personagem assume um cargo político forte, a despeito da ausência total de perspectiva de futuro que ele tinha. Questiona, com bom humor: quem são esses que tomarão conta do nosso país? Algumas coisas precisam ser ditas, mas não necessariamente diretamente ao ponto.


Cine Holliúdy (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Halder Gomes


Essa foi muito provavelmente uma das sessões mais torturantes durante a Mostra porque Cine Holliúdy é um filme que alcança o mau gosto com uma facilidade tal que sua proposta do pastiche ganha aqui proporções irritantes. Demarcado como produto 100% cearense, carrega as marcas da nordestinidade, de um povo interiorano, principalmente na sua linguagem, mas sempre abusando do tom.

Os dez primeiros minutos de projeção são mesmo engraçados, demarcando os tipos nordestinos, todo falado em “cearencês”. Mas quando você se dá conta de que essa é a tônica do filme, reprocessando estereótipos, exagerando no sotaque e nos termos da região, apostando na comédia mais básica, de sitcom televisivo, a coisa toda vai perdendo a piada, o interesse, ganhando no escracho. É um Ó Paí Ó do Ceará.

Cine Holliúdy não funciona nem como cinema nem como homenagem ao próprio cinema, como o enredo espera que seja. Na década de 70, quando da chegada da TV ameaçando o espetáculo cinematográfico, um homem leva seu cinema para uma nova cidade, tentando angariar apoio e apreço do público. É uma celebração da força dessa atividade, mas a roupagem funciona bem pouco.

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