terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Adrenalina da fuga


Argo (Idem, EUA, 2012)
Dir: Ben Affleck
 


Entre ser um thriller e uma história de viés político, Argo consegue a proeza de, no meio do caminho, ainda imprimir um pequeno retrato da indústria hollywoodiana vista de dentro. Nada que muitos tantos outros filmes já não tenha feito em todos esses campos ou subgêneros, mas essa nova investida de Ben Affleck como diretor é correta e cuidadosa, sem querer dar um passo a mais do que pode e do que sua história representa: um plano de fuga.

O ano é o de 1980, pouco depois de iniciada a Revolução Iraniana que levou ao poder o aiatolá Khomeini, dando início ao governo islâmico mais duro no país. Essa contextualização abre o filme, demarcando para o espectador a crise política que se intensifica entre os dois países naquele momento (e que perdura até hoje, com outros desdobramentos). Inimigo dos Estados Unidos, o governo iraniano impede a saída de um grupo de diplomatas que trabalhava na embaixada americana no Irã.

É desse clima de tensão política que o filme se nutre e encontra, paradoxalmente, o universo hollywoodiano. Isso porque a saída encontrada para resgatar aquelas pessoas é forjar as filmagens de um filme de ficção científica que teria locações no Irã, dando brecha para que os diplomatas fossem tidos como membros da equipe do falso filme, chamado Argo.

Se por trás das câmeras Ben Affleck tem encontrado uma vocação de onde extrair alento, Argo é talvez seu filme mais bem acabado e também o mais festejado, um forte candidato que já começa a despontar nessa temporada de premiações. Mesmo que ainda prefira seu filme de estreia, Medo da Verdade (mais pela coragem do roteiro, é fato), Argo trabalha no campo do classicismo americano, montando com agilidade a tensão que ronda o desdobrar daquele plano que soa tão improvável, em contraponto às cenas cheias de humor quando o filme se concentra na Los Angeles dos produtores de Hollywood.

Com esse misto inusitado de comédia e drama angustiante dos foragidos, sem nunca perder o ritmo e o interesse pela história, o filme consegue esse equilíbrio difícil, mas sem necessariamente chamar muita atenção para a complexidade das situações. Não adentra a questão política, nem busca alfinetar com acidez as excentricidades da indústria cinematográfica e de quem a faz. Prefere se deter no plano de fuga e na adrenalina do risco que aquilo tudo representa. Embora se saia bem nesse quesito, a impressão é de que o filme poderia render bem mais. 

No entanto, o que menos funciona no enredo é o desenvolvimento do personagem do agente da CIA Tony Mendez (interpretado pelo próprio Affleck, com sua habitual falta de talento nessa área). Apesar de ser o centro da história (é dele a execução e o plano de resgate), seus problemas com a família distante é mais uma dentre tantas outras questões e personagens que o filme possui, não contribuindo em nada para a história. Daí que sobra espaço para que os coadjuvantes brilhem, em especial Alan Arkin, como o produtor que abraça a causa do filme falso, John Goodman, vivendo o maquiador que também ajuda no plano, e ainda a dureza de Bryan Cranston, como o chefe de Mendez.

Destacando o fato de ser baseado em fatos reais, os créditos finais insistem em mostrar as pessoas verdadeiras que tomaram parte naquela história, como se o filme fizesse questão de provar sua autenticidade, tipo de insegurança que torna tudo sem muito risco, no campo do correto. Argo é assim, bom com thriller político, mas sem querer se atrever muito.


6 comentários:

bruno knott disse...

Gostei bastante de Argo, mais do que você, mas tb não acho que ele seja aquela maravilha toda. Um dos motivos, hei de concordar, é a perda de tempo com a tentativa de desenvolver o personagem do Ben Affleck...

De qualquer forma, em certos aspectos ele funciona bem demais! Acho que merece a provável indicação ao Oscar, mas pra sair com a estatueta existem outros melhores.

Kamila disse...

Eu gostei muito de "Argo", muito mesmo. Acho que marca a consagração de Ben Affleck como diretor, por meio de um ótimo trabalho, não só de direção, mas de escalação de elenco e reconstituição de época, além da criação de um clima de thriller que funciona bem. Em relação ao roteiro, concordo que ele não é muito complexo, mas acho que ser complexo e analítico demais nunca foi a intenção de "Argo". Acho que o longa cumpre muito bem o seu papel.

ANTONIO NAHUD disse...

o affleck é ruinzinho como ator, mas tem talento como diretor.

O Falcão Maltês

Rafael Carvalho disse...

Bruno, de qualquer forma, acho um grande exagero essa aprovação toda em cima do filme. Mas vá lá, é o grande momento do Affleck. Pelo menos não é por uma negação como a gente já viu muitas vezes no Oscar, por exemplo.

Também acho que esse filme consagra o Affleck, Kamila. Pelo menos é com um filme que vale a pena.

Antonio, exatamente isso.

Elton Telles disse...

Eu gostei do filme também, mas foi o que discutimos em outra ocasião: alguns deslizes narrativos no terceiro ato dignos do cinemão hollywoodiano e o ritmo lento durante o desenvolvimento da história custam alguns pontos negativos ao filme. E Affleck poderia chamar alguém melhorzinho no papel do protagonista, né? rs.

No mais, é um bom filme, só não tanto assim para ser cogitado a Oscar e tudo mais.

Abs!

Rafael Carvalho disse...

Pois é Elton, não sei como esse filme foi cair tanto nas graças da galera. Acho bom, até certo ponto eficiente como thriller político, mas nada demais.