segunda-feira, 16 de junho de 2014

Afeto no mundo cão

Heli (Idem, México/França/Alemanha/Holanda, 2013)
Dir: Amat Escalante



Amat Escalante continua sua jornada a fim de retratar um certo mundo cão no México atual, especialmente ligado à violência e ao narcotráfico que impera em muitas regiões do país. Como em seus trabalhos anteriores, Sangre e Los Bastardos, sua estética naturalista, quase impassível diante da desgraça que filma, está a serviço de histórias brutais, sem concessões. Mas a grande diferença desse filme em relação aos demais, e que faz Heli estar bem à frente, é que aqui existe uma boa história para contar.

Nos trabalhos anteriores o diretor estava muito mais preocupado na forma e na brutalidade da ação dos homens nesse universo cruel, como que explorando a violência unicamente pelo seu grafismo na tela. Acabava dizendo muito pouco sobre seus personagens, quase caricaturas em si, e pelos quais era difícil ter alguma consideração.

Em Heli o diretor dá um passo adiante. Ele consegue, de cara, nos afeiçoar a Estela (Andrea Vergara), essa jovem colegial que se apaixona por Beto (Juan Eduardo Palacios), rapaz inconsequente envolvido no contrabando de drogas. Ele passa a esconder mercadorias clandestinas na casa da garota, o que traz problemas para sua família, em especial a seu irmão Heli (Armando Espitia).

O filme não seria um autêntico Escalante se já não começasse com uma cena brutal: um grupo pendura o corpo morto de um jovem numa ponte, de cueca e com marcas de sangue. O filme retomará essa sequência posteriormente, encaixada na história, à medida que vamos entendendo, sem meios expositivos, os encadeamentos que envolvem os personagens nessa teia de selvageria e horror.

Outro ponto desse tipo de cinema mais naturalista é a utilização de atores não profissionais, dando a seus personagens um tom marcadamente mais cru, mais selvagem até. Reforçam o registro realista ao mesmo tempo em que faz o espectador se condoer por sua condição, mas sem compaixões baratas. O pior é a dor e o trauma que permanecem, a violência que frutifica, restando o consolo que os integrantes daquela família  infeliz podem servir ao outro. 

É muito interessante quando um diretor consegue construir esse universo que lhe parece tão caro e o caracteriza bem, evoluindo, no processo, sua linguagem e lapidando melhor sua narrativa. Heli apresenta essa melhora e dá a impressão de estamos no mesmo terreno arenoso já visto antes, inclusive através do mesmo tom de fotografia e ritmo de tempo. É também a história de como a vida bandida e os perigos do narcotráfico invadem a rotina dos indivíduos de bem, destruindo sonhos, suas famílias e passando por cima da dignidade.

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