sexta-feira, 25 de julho de 2014

6º Paulínia Film Festival: Parte II



Aprendi a Jogar Com Você (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Murilo Salles
 

Mais um documentário de observação, mais uma proposta de cinema direto, mais um personagem no cenário da música em busca do sucesso. Aprendi a Jogar com Você, de Murilo Salles, segue o DJ Duda e sua esposa Milka Reis pelas cidades-satélites de Brasília. Eles fazem algo como uma música de guerrilha e não escondem seu objetivo principal de ganhar dinheiro e tornarem-se conhecidos.

Se não há nada muito novo nesse tipo de abordagem, há trunfos aqui: um protagonista muito bom, engraçado, que se doa ao filme, e ainda uma participação dele longe de ser inocente. Há algo de esperteza nele que não esconde um falseamento da noção de documentário como registro dessa coisa chamada “real”.

Trata-se de uma proposta quase imoral na maneira como esse personagem se vira e vira os demais para ir seguindo, ganhando dinheiro com os shows, promovendo o nome da dupla. Ao mesmo tempo em que o filme invade a intimidade e os meandros internos do trabalho dele, Duda também se aproveita para reforçar sua própria figura como homem sagaz, esperto, que corre atrás, acima de tudo. Uma releitura consciente do ser malandro.

Duas cenas expressam bem essa duplicidade: quando o casal briga por conta da falta de dinheiro, infligindo culpas e acusações, e a cena final do filme em que Duda profere um discurso duvidoso diante das câmeras. No interesse de perseguir um personagem que se encontra na periferia de uma dada cena musical, o filme abre espaço para esse conflito de forças que se estabelece na própria encenação.


Neblina (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Fernanda Machado e Daniel Pátaro 


Neblina chega na competição de Paulínia como prata da casa, único filme local no evento. Bate a impressão forte de que está ali só por esse "acaso". Como cinema, o filme possui uma série de limitações narrativas e parece se autossabotar com certas escolhas. O pior de seus problemas é o tom professoral, acadêmico, permeando toda a projeção com onipresença de narração em off explicativo.

Somos apresentados ao distrito de Paranapiacaba, na região de Santo André, em São Paulo. As ruínas de uma estação ferroviária, datada dos anos 1850, construída pelo investimento inglês no Brasil, servem de mote para os cineastas desenvolverem uma série de relações com o capitalismo selvagem, com a concentração de poder e desmandos políticos, a exploração dos recursos minerais dos países periféricos. Ou talvez mais coisas cabem nesse discurso, isso num filme de 75 minutos.

A paisagem que o longa documenta, ruída pelo tempo, abandonada em meio à densa neblina característica da região, possui uma poeticidade melancólica, triste mesmo na forma como sentimos o cessar do tempo ali. Mas o filme pouco aproveita essa atmosfera, primeiro porque insiste em acelerar as imagens, num recurso de pós-produção questionável; e porque abusa das imagens de arquivo que dão conta de um resgate histórico extenso, complexo, vomitando muita informação no espectador. Cansa rapidamente.


Sinfonia da Necrópole (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Juliana Rojas



Se o flerte de Juliana Rojas como o filme fantástico e o horror, ainda que sempre anticlimático, é uma marca viva na sua curta, porém notável, carreira, aqui ele ganha um novo ar. A presença de um cemitério como personagem central não significa necessariamente pavor. Sinfonia da Necrópole abre-se à comédia inteligente e ao musical para continuar falando de morte, ou ainda a forma como os vivos lidam com isso e o respeito para com os que já se foram.

Acima de tudo, um filme muito divertido. É, certamente, o trabalho mais acessível de Rojas, que entende muito bem essa proposta jocosa e cria um roteiro menos aberto a interpretações, como era o caso do muito bom Trabalhar Cansa, dirigido em parceria com Marco Dutra, estreia de ambos no longa-metragem.

Deodato (Eduardo Gomes) é um aprendiz de coveiro sensível, desmaia quando está enterrando alguém. Passa a ajudar a agente funerária Jaqueline (Luciana Paes) a recadastrar os túmulos para uma reforma no cemitério. Começa um flerte desajeitado com ela ao mesmo tempo em que pressente coisas esquisitas acontecendo entre os túmulos.

O acréscimo do elemento musical tem um tom assumidamente farsesco e menos espetaculoso. De uma certa tradição do musical francês de um Jacques Demy, por exemplo, os números musicais servem como extensão dos diálogos dos personagens.  São como falas cantadas que conferem ludicidade àquele conjunto que penderia para o suspense, com coreografias que se querem simples, quase amadoras. 

Não deixa de ser também um filme de crescimento, rito de passagem que transpõe uma ingenuidade do protagonista. Entre trapalhadas e fantasias, há algo de muito particular e maduro nesse olhar de Rojas sobre a compreensão das coisas do mundo dos vivos.

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