domingo, 27 de julho de 2014

6º Paulínia Film Festival: Parte III



Boa Sorte (Idem, Brasil, 2014) 
Dir: Carolina Jabor


Junkies
, loucos e sociopatas. O ambiente de Boa Sorte é uma clínica de recuperação para drogados e viciados dos mais variados tipos. É lá que o desajustado social João (João Pedro Zappa) conhece a soropositiva Judite (Deborah Secco). Os dois facilmente passam a compartilhar neuras, confidências e mesmo um relacionamento carnal/amoroso num ambiente nada romântico. Longa-metragem de estreia de Carolina Jabor, o filme é baseado no conto Frontal com Fanta, de Jorge Furtado.

Se Deborah Secco surge sem o glamour habitual de seus papeis para a televisão é porque existe uma tentativa de revelar um lado mais cru daquela vida. Porém, no fundo, ainda há algo de maquiado no filme como um todo porque tudo está a serviço da “anarquia” dos personagens. O próprio espaço da clínica permite que eles encontrem certas diversões ali – é possível conseguir drogas e cigarros com o enfermeiro, fazer sexo (inclusive com enfermeiro), soltam o som e se divertem pelos corredores da clínica.

Por mais que problemas de saúde de cada um batam à porta, os personagens parecem habitar um universo muito particular, quase senhores daquele espaço; ou antes, temos um roteiro que mascara o peso que eles carregam. Há menos uma sensação de sofrimento latente por aquela condição, algo que o roteiro tenta sustentar em momentos esparsos, especialmente na condição iminente da morte aguardada por Judite. O filme tenta ser “feio”, mas não consegue.

Há uma ideia curiosa de ser invisível, vendida pelo filme como percepção da sociedade para com aqueles tipos marginalizados. Os melhores momentos do longa são quando os personagens andam entre as pessoas e ninguém os nota. São cenas assim que trazem frescor a um filme ainda engessado na sua proposta dramática.


Castanha (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Davi Pretto 


 
Certamente, esse é o filme mais difícil de se classificar nessa competição em Paulínia. Propõe, talvez, que deixe a própria classificação de lado. E que bom que seja assim. Num híbrido muito curioso entre documentário e ficção, Castanha adentra o universo do artista da noite João Carlos Castanha, especialmente como transformista.

Esse personagem existe na cena noturna underground de Porto Alegre, também faz peças de teatros e esquetes para TV. Já passou da meia-idade, mas continua com os shows. Lida com as pendências financeiras e com o irmão viciado em drogas. Lembra os amigos e amores do passado que já partiram.

O filme quer ser cinema direto, documentário de observação, tanto quanto quer privilegiar a encenação, o fake, que está na própria essência do ser transformista. Intérprete de si, Castanha se desnuda para a câmera, assim como também se traveste como personagem. Abre a intimidade da casa onde mora com a mãe, Celina, que também empresta sua encenação ao filme.

Essa dualidade, longe de ser novidade hoje em dia, ganha um frescor interessante porque, nessa mescla, nem tudo está claro, dado de bandeja na história. A forte cena inicial que abre o filme, por exemplo, cobre de mistério e horror o protagonista, nu e coberto de sangue numa rua deserta. É o perigo de estar no mundo, de ser o que é, de lutar contra as adversidades e continuar seguindo.


O Samba (Idem, Suíça/Alemanha, 2014)
Dir: Georges Gachot 
 

O francês Georges Gachot já havia dedicado outros documentários a nomes da música brasileira, como Maria Bethânia e Nana Caymmi; volta agora seu olhar para o samba. Transparece não só amor e admiração pela música brasileira, como também respeito, reverência, curiosidade.

Longe de querer compreender a fundo essa musicalidade tão brasileira, o filme segue um percurso mais interessante: utiliza a figura de Martinho da Vila não só como um dos expoentes desse estilo de vida, mas também como guia a fim de adentrar em universo tão particular.

Com sua ligação apaixonada pela escola de samba carioca Unidos da Vila Isabel, Martinho é o personagem ideal para essa proposta. Tem aquele jeito tímido, mas também histórias interessantes. Ícone do samba, sabe do que fala. O resultado é um filme agradável e longe do exotismo que o olhar estrangeiro sempre lança à cultura estrangeira, latina especialmente. A música brasileira sempre serviu como produto de exportação, mas Gachot está mais interessado em se deixar levar, sem levantar grandes teses, tentar explicações ou deslumbres. 

Há ainda um olhar muito bem-vindo direcionado para o povo, sendo o samba algo tão popular, comunitário, que carrega a beleza e a dor da gente simples. Gachot entende bem que a vida humilde do cidadão comum é uma das essências do samba. A cena final, da mulher negra sambando sozinha na rua, é exemplar nesse sentido.

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