sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Mostra Cinema Conquista – Parte III



O Mercado de Notícias
(Idem, Brasil, 2014)
Dir: Jorge Furtado 

Muito se discute sobre a qualidade do jornalismo brasileiro e os vários meandros que se entrelaçam na construção do quarto poder (em tempos de eleições acaloradas a coisa se complica mais ainda). É um tema espinhoso, que envolve mais do que a mera transmissão da informação para a sociedade em geral. Fala-se sobre a idoneidade dos veículos e dos vieses que se emaranham pelo discurso jornalístico.

Há de se dizer que esse universo de construção midiática via informação jornalística é mais complexo do que sonha nossa vã filosofia. O Mercado de Notícias toca em uma serie de questões importantes para se entender o jornalismo que se faz e se consome atualmente no Brasil. Intercala uma série de depoimentos de jornalistas da mídia nacional com a encenação de uma peça de teatro que intitula o filme. No entanto, o documentário está bem aquém de trazer uma discussão aprofundada e marcante como tenta transparecer.

Há alguns desvios colocados pelo filme, na pessoa do próprio diretor Jorge Furtado, que aparece em cena. Na reunião com a trupe teatral, ele diz que no documentário tudo pode acontecer, os rumos tomados são imprevisíveis. É uma deixa para se pensar num filme de investigação, ainda mais com o tema escolhido.

A questão é que O Mercado de Notícias já sabe aonde quer chegar, já tem suas teses mais ou menos prontas e bem delineadas. Primeiro porque quase não há nada de novo no que se diz ali: o jornalismo nutre laços estreitos com a publicidade e as ideologias dos partidos político, a relação com as fontes é dúbia e, principalmente, o mundo monetário rege muita coisa que se produz como jornalismo. Até aqui nada de novo no front.

Ademais, os rumos da conversa partem dos direcionamentos que o próprio Furtado dá, muito confortavelmente naquilo que ele deseja discutir. O caso mais emblemático é o do Picasso da Folha de São Paulo, erro crasso cometido numa matéria que afirmava haver, no INSS de Brasília, uma obra autêntica do pintor Pablo Picasso, quando, na verdade, tratava-se somente de uma reprodução autografada.

Exemplo risível e absurdo de nosso jornalismo. Quando se mostra isso no filme para os entrevistados, o que eles acham? Que é risível e um absurdo. Mais uma vez, a coisa parece prevista para os fins que se quer alcançar. Curioso também o fato de Furtado anunciar que aqueles jornalistas ali reunidos são seus “amigos”, gente com quem ele tem contato e aprecia o trabalho. Bate impressão forte de algo devidamente calculado e menos de investigação de fato. Papo de compadres.

A peça teatral homônima, escrita pelo inglês Bem Jonson em 1625, é encenada aqui para intercalar os depoimentos padrão dos documentários. É um achado por ser tão antiga e ainda assim ácida sobre o jornalismo que se pratica hoje. Porém, não deixa de ser alegórica e por vezes simplista sobre a relação jornalismo-dinheiro. E vá lá, nem é bem encenada assim. Em termos de experimentação de linguagem e provocação, Furtado já foi bem mais bem-sucedido antes.



A História da Eternidade (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Camilo Cavalcante 


A poesia bruta do sertão explorada mais uma vez. Camilo Cavalcante passeia pelos tipos que já foram largamente utilizados nessa ambiência: garota de família patriarcal tem sonho pulsante em conhecer o mar; o tio, um artista incompreendido, o pai, um bruto; em outros núcleos, há ainda o neto que retorna à terra natal, para alegria da avó, e o sanfoneiro cego que clama o amor de uma mulher em luto pela morte do filho pequeno.

São histórias que se entrecruzam na paisagem árida do interior nordestino, com suas regras e morais instituídas. Chega a ser um risco manipular velhos temas e tipos batidos desse ambiente já tão exposto nas artes em geral. O que sustenta o filme é a direção segura de Cavalcante, sua estreia no longa-metragem depois de um extenso trabalho com curtas.

A paisagem interiorana ganha um tratamento que segue um fluxo de tempo muito próprio, calmo, ainda que as questões que movam os personagens vão crescendo em intensidade. Nuances de viés mais proibidos (como a atração da sobrinha pelo tio, ou da avó pelo neto) ou mesmo pondo em xeque a moral de seus personagens (o neto que volta fugindo de encrenca na cidade grande) surgem para complexificar as relações daquelas pessoas entre si, também no contexto de vida em que se encontram.

Nesses embates, o longa beneficia-se de um time de atores de primeira. Marcélia Cartaxo e Zezita Matos personificam muito bem essas mulheres fortes do interior, uma que nega o amor em prol do luto, outra com o coração balançado pela descoberta de um neto não tão pródigo assim. Mas o destaque mesmo vai para um Irandhir Santos radiante, frágil pela epilepsia que lhe acomete, mas cheio de vigor por conta de sua condição de artista maldito e contestador num ambiente desfavorável.

Duas cenas suas se destacam: quando performatiza, na rua, uma canção dos Secos e Molhados; e aquela em que ele “apresenta” à sobrinha o mar. Em ambas as sequências, a câmera em travelling circular parece hipnotizada pela disposição e olhar poético daquele homem. 

É o respiro que o filme permite em contraponto à dureza de uma vida severina; há arte ali. É esse tipo de olhar aguçado para a poética das paixões em meio à coisa bruta que Calvalcante explora tão bem. Nota-se nele um cineasta consciente do seu poder de encenação, ainda que seus temas não sejam assim dos mais originais.

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