quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Mostra Tiradentes – Parte V



Ressurgentes: Um Filme de Ação Direta (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Dácia Ibiapina

  
Filme-resumo das atividades dos movimentos sociais do Distrito Federal, Ressurgentes: Um Filme de Ação Direta é a entrada de um produto estritamente político, formalmente muito convencional, num festival tão aberto a subjetividades. O filme acompanha os últimos dez anos das ações do Movimento Passe Livre (MPL), composto na sua maioria por jovens estudantes da Universidade de Brasília.

A diretora Dácia Ibiapina, professora da UNB, é uma militante reconhecida no DF e faz de seu filme uma bandeira em prol da luta do MPL, sempre do lado de dentro. Nada contra esse relato apaixonado de um tipo de militância que tanta visibilidade tem alcançado nos últimos anos no Brasil. Mas a coisa se complica quando o filme torna-se o lugar de vangloriar o movimento a partir de um ponto de vista interior, chegando à conclusão de ser ele “vitorioso” diante da várias ações nas quais tomaram parte ao longo desse tempo.

Para além de ser um filme politizado que abraça um lado da questão tão abertamente, é estranho enxergá-lo aqui na competição em Tiradentes entre filmes tão mais desafiadores e arriscados, menos didáticos, ainda que nem sempre melhores por conta disso. 

Se existe algo de muito potente aqui é a força de algumas imagens que encontram no corpo dos jovens essa energia para enfrentar, na cara e coragem, os poderes opressores do Estado. E o filme oferece momentos interessantes de registro (a cena de abertura com a invasão da Câmera Legislativa, a discussão com o policial que exige desculpas, os vídeos flagrantes de políticos recebendo propina e enxertando cuecas e meias com bolos de dinheiro).

Mas isso não garante a legitimidade de um discurso que se revela tão partidarista e, por isso mesmo, discutível. Não que se duvide dele, mas por impossibilitar uma visão global de coisas tão complexas no campo político.


Medo do Escuro (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Ivo Lopes de Araújo


Muito longe do classicismo está o último longa apresentado na Mostra Aurora, o pós-apocalíptico Medo do Escuro, dirigido por Ivo Lopes Araújo. Ele é mais conhecido como diretor de fotografia de diversos filmes dessa nova cena independente brasileira (como os longas Tatuagem e o baiano Depois da Chuva).

O filme traz a marca conceitual do coletivo Alumbramento, grupo cearense que vem se destacando nessa cena contemporânea como sinônimo de inventividade e inquietação, goste-se ou não de alguns de seus produtos. Foi apresentado ao público com trilha sonora ao vivo, com direito a muitas batidas e samplers eletrônicos, ruídos, sons guturais e bateria enlouquecida. Tudo para elevar a força de um filme totalmente sem diálogos.

Medo do Escuro narra as desventuras de um rapaz perdido numa cidade devastada, caótica e abandonada. Visualmente, é um deslumbrante, ainda que de aspecto sujo, compondo o visual de seus atores através de maquiagem e figurinos bastante carregados, algo entre o lúdico e o bizarro (quase kitsch).

A história se apropria vagamente de elementos do filme de heróis em resistência num mundo distópico (referências podem ir de Mad Max a Fuga de Nova York, passando pelo submundo underground de filmes de vampiros rebeldes como Os Garotos Perdidos), com direito a gangue de vilões mal encarados e uma guerreira misteriosa na trama. O filme brinca com as marcas de um gênero outrora popular, criando uma atmosfera de estranheza e aventura que vai convidando o espectador a embarcar naquela proposta e entender suas amarras narrativas, ainda que muito fique em suspenso. 

Certamente é um dos trabalhos mais criativos vistos durante o festival, arriscados também, chamando atenção para si pela energia que vigora dali, embora se exceda num final que se alonga mais do que necessário – talvez para que a catarse musical aconteça. Mas esse tom acima, over por excelência, é o que torna o filme tão vibrante em sua essência.

Nenhum comentário: