quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Saldos da guerra

Sniper Americano (American Sniper, EUA, 2014)
Dir: Clint Eastwood



Junta-se a história de um herói de guerra que faz ver sua posição de representante da supremacia bélica norte-americana com a direção de um Clint Eastwood mais do que nunca o militante republicano e conservador. Com Sniper Americano, a condição ideológica do cineasta é posta em questão, mais do que nunca, porque o filme investe nos conceitos de “heroísmo”, “patriotismo” e “inimigo”. E talvez sem se dar conta de que o faz sem se aprofundar nelas.

Nesse terreno arenoso, Eastwood foca seu olhar num personagem icônico da atual cultura belicista americana. Membro das Forças de Operações Especiais da Marinha dos Estados Unidos, Chris Kyle (Bradley Cooper) logo se torna um atirador de elite prodígio, a fama de sua precisão com o rifle aumenta enquanto ele serve sucessivas vezes no front de guerra ao Iraque.

Tantas outras vezes Clint Eastwood filmou (e melhor) o estado de decadência da América, um país fora de rumo, em estado de violência, que acusar Sniper Americano de racista e ultrapatriótico soa apressado demais. Esse talvez seja o menor dos problemas quando o filme se acomoda em contar a história do homem de guerra que volta para casa psicologicamente abalado. Uma temática já tão explorada e que o filme só parece reafirmar, sem muita invenção.

A partir do momento em que o filme assume o olhar desse personagem que acredita numa força inimiga que brota no Oriente Médio e precisa ser combatida (a tiros mortais), Sniper Americano precisa ser visto nessa posição de autoafirmação do herói. Ele encarna o espírito do defensor cego de uma nação, sem nunca se questionar ou questionar os atos de seu país, sempre subjugadora dos demais.

No entanto, o grande equívoco do filme é investir pouco na crítica sócio-política que poderia fazer em torno disso. Mas mais grave é trabalhar uma trama batida que diz o básico sobre o estado de espírito do personagem que vai, aos poucos, se debilitando, com direito a esposa (Sienna Miller) e filho pequeno que aguardam em casa o homem angustiado. Assim, fica mais evidente no filme o olhar conservador que Kyle carrega e Sniper Americano torna-se o filme que somente observa esse ponto de vista.

É certo que em alguns momentos esse protagonista é relativizado nos seus atos, se deparando com certas contradições, angústias e dúvidas. Mas isso parece mais força das circunstâncias que estão presentes na história do que necessariamente uma vontade do filme de torná-lo complexo, de contrabalancear posições, de discutir e condenar certos olhares. Bradley Cooper está realmente muito bem no papel, seu porte másculo contrapõe-se com o olhar frágil. Porém ele serve a um personagem que poderia render muito mais substancialmente em suas contradições. 

No fim das contas, a impressão é de que Sniper Americano é um filme frouxo, mal resolvido porque não se decide de que lado está, o que quer discutir a fundo (e se quer discutir coisas em profundidade). Isso pode ser visto como uma ambiguidade bem-vinda, ou antes algo sem o peso de um cineasta obrigado a abordar essas questões. Mas na atual conjunta sócio-política (em que tanto se fala de islamofobia, por exemplo), a omissão pode soar negligente, deixando margens para interpretações enviesadas e que, inevitavelmente, depõem contra o cineasta e seu filme.

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