segunda-feira, 30 de março de 2015

Nossa terra

O Sal da Terra (The Salt of the Earth, França/Brasil/Itália, 2014)
Dir: Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado


Nos últimos anos, a obra documental de Wim Wenders tem sido muito mais representativa na sua carreira do que a ficção, da qual o mestre alemão nos deve há um bom tempo um bom exemplar. Depois do belíssimo Pina, Wenders se junta a Juliano Ribeiro Salgado, filho de Sebastião Salgado, para documentar o processo criativo do renomado fotógrafo brasileiro, com a mesma sensibilidade ao olhar a arte do outro.

E é possível fazer uma relação aqui com Pina não por essas proximidades de natureza documental e temática, mas porque se repete o dispositivo de documentar a vida e obra de grandes artistas sem pretensões de endeusá-los, mas antes compreender sua arte e as maneiras pelas quais (e através de quem) ela se torna concreta, pulsante. Além disso, filmes sobre artistas geniais não são necessariamente geniais por si sós. Correm o risco de serem engolidos pela força criadora de seus objetos de observação.

E aqui está um dos trunfos de O Sal da Terra: a particularidade com que Wenders aborda, narrando ele mesmo em primeira pessoa, seu encontro com (a arte de) Salgado. Soma-se a isso a aproximação bem-vinda da figura filial nesse processo de captação e convivência. Isso faz do filme uma experiência muito intimista porque é também uma reunião de sensibilidades, longe da necessidade autoimposta de "provar" que aquilo que Salgado faz é genial.

E há ainda um trunfo talvez maior do qual o filme se beneficie bastante: a presença de Salgado que comenta seu próprio ofício. Nunca didaticamente, e com uma percepção extremamente lúcida e bem articulada sobre aquilo que produz em forma de fotografia e, consequentemente, sobre a essência devastadora, mas também resplandecente da raça humana. Suas famosas exposições retratam desde os mineiros que se amontoavam e escalavam os paredões de pedra em Serra Pelada, até a viagem aos rincões da América Latina em busca de agrupamentos de gente as mais simples e desconhecidas, passando pela exploração do mundo trabalhista em várias partes do mundo.


O documentário expõe com clareza o poder estético da fotografia de Salgado, em contraste com as dores e tristezas que fazem parte da história do ser humano na Terra (com suas mortes, guerras, trabalho exaustivo, pobreza). Espertamente, o filme consegue fazer um feliz paralelo entre os estudos em Economia do jovem Sebastião e as posteriores preocupações antropológicas, humanistas e ecológicas ao retratar todos esses paradoxos, segundo ele movido pela força e ganância do dinheiro. 

Não é de fato um filme que problematize as escolhas e caminhos escolhido pelo artista como, por exemplo, abordando a crítica que enfrenta de estetizar (e lucrar) em cima da miséria humana. Se há algo de chapa branca nesse olhar, isso nunca chega a pesar no filme como um déficit, pois o longa se abre ao prazer da observação compartilhada de um homem que soube tão bem olhar e eternizar o olhar do outro. “Afinal, as pessoas são o sal da terra”, arremata Wenders em certo momento do filme, numa percepção feliz daquilo que parece mover Salgado e sua arte.

2 comentários:

Stella disse...

Queria MUITo ver "O Sal da Terra" no cinema, especialmente depois de ter lido sua crítica. Bons feriados, Rafael!

Rafael Carvalho disse...

Que bom que te animei, Stella. O filme vale muito a pena. Veja mesmo.