terça-feira, 21 de junho de 2016

Olhar de Cinema – Parte VI



A Última Terra (La Última Tierra, Paraguai/Holanda/Chile/Catar, 2016) 
Dir: Pablo Lamar


Proposta das mais intensas calcadas na contemplação, A Última Terra nutre-se do esforço que os personagens empreendem por um fio mínimo de história. Um casal de idosos vive numa humilde casa no meio do nada, cercados de florestas e montanhas, a sós no mundo. Ela está morrendo, e ele cuida para que seus últimos dias sejam acalentadores, na medida do possível.

O diretor Pablo Lamar constrói uma narrativa de tempo suspenso, quando o próprio tempo é personagem central ao acentuar sua passagem cândida, mas avassaladora sobre os homens. O tema do tempo que a tudo consome já foi muito explorado antes, e o filme apenas acentua sua força perante a impossibilidade humana de alterá-lo e vencê-lo.

Em certo sentido não há nada de muito novo nesse tipo de história, para além de acentuar o momento crucial da vida daquela senhora: a saída do mundo dos vivos. É a rigidez da encenação que garante a A Última Terra a força de uma experiência de introspecção e de certa transcendentalidade naquele último momento, acentuado pela imponência da natureza soberana a cercar aqueles dois, também a lembrar que morte é a ordem natural das coisas; e, talvez por isso, a situação seja tomada de beleza também.

Trata-se mesmo de um filme irmão do conterrâneo Hamaca Paraguaia, tanto temática como esteticamente. Por muito pouco, Lamar não mira na comiseração ao retratar a dor da perda e o pesar pela falibilidade da vida, pela proximidade da ausência, traços que lemos no rosto expressivo do ator Ramón del Rio. Há muita dignidade nesse tipo de retrato, sem pieguismos baratos, apesar da percepção de que há toda uma exasperação e sofrimento contidos ali naquele homem.

A brasileira Vera Valdez é quem interpreta a esposa inválida. Atriz teatral que acompanha a explosiva trupe de José Celso Martinez Correia, do Teatro Oficina, surge aqui em outra chave, totalmente mais contida, doando todo seu corpo frágil a aguardar a morte. É a mesma serenidade que o filme pega emprestado como um todo. Não há espaços para catarse, que só se expressa num momento final envolvendo uma grande fogueira. É como se só a natureza pudesse ser capaz de gritar a dor, sendo ela mesma quem acalma e acolhe aqueles que partem e os que ficam.


A Comunidade (Kollektivet, Dinamarca/Suécia/Holanda, 2016) 
Dir: Thomas Vinterberg


Filme que encerrou os trabalhos no Olhar Cinema, A Comunidade é como que uma investida do cineasta dinamarquês na percepção de uma possível convivência coletiva, microcosmo de uma tendência política que vigorou em certas partes do mundo no pós-Guerra e ameaçou o modo de vida capitalista.

Estamos na Dinamarca relativamente rebelde dos anos 1970 quando um casal se muda para uma nova casa, espaçosa e cara. Em pouco tempo eles se vêm cercados de outras pessoas “alocadas” ali como forma de diminuir as despesas, mas logo se vêm vivendo como em uma comunidade de amigos em que as decisões são tomadas em conjunto; há assembleias e tudo se decide através do voto.

Se o diretor formata esse espaço de convívio incomum logo no início do filme e rapidamente apresenta os personagens que formarão essa grande família de tendências hippies, ainda que um tanto conservadoras, o próximo passo é desviar a atenção para a crise conjugal que acomete o casal protagonista. Anna (Trine Dyrholm) é uma jornalista que aceita bem esse novo estilo de vida, enquanto seu marido Erik (Ulrich Thomsen) parece um tanto reticente quanto a isso. Professor universitário, ele se envolve com uma aluna bem mais nova que ele.

O casamento abala-se; a filha do casal é quem mais sofre com esse desentendimento, sendo a que observa tudo calada, temendo o fim da relação. E a coisa se complica mais quando decidem trazer a moça para fazer parte daquela comunidade, é esse o espírito de acolhimento. Com as cartas postas à mesa, a ideia de coletivo também é sacudida porque os interesses se confrontam cada vez mais.

Seria o caso do filme complexificar as relações com a entrada dessa nova personagem ali, e também colocar em xeque o próprio ideário de convivência compartilhada intimamente por todos. Porém, através desse movimento de centrar a atenção no drama conjugal, Vinterberg não só desperdiça uma série de personagens interessantes que povoam aquele ambiente, como também passa a investir no dramalhão mais gritado que envolvem as brigas e desentendimentos do casal.

É realmente muito desanimador como o filme utiliza a história de uma comunidade que prega o bem comum e propõe um tipo de convívio igualitário e respeitoso a fim de reprocessar velhas proposições conservadoras e mesmo machistas, afinal é a esposa – a mulher mais velha, portanto – quem mais vai sofrer as consequências, mentais e emocionais, nessa história toda. 

Não adianta que Vinterberg inclua lá no início do filme uma cena em que todos eles vão tomar banho em um lago totalmente pelados, filmados com muita liberdade. É o tipo de cena que grita “olha como somos modernos e corajosos”, quase como uma desculpa pelo que virá depois. Não parece, de fato, que A Comunidade queira pregar e defender o socialismo e os modos de vida coletivos com afinco, mas se utiliza de seus pressupostos para retroceder.

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