O Estranho Caso de
Ezequiel (Idem, Brasil, 2016)
Dir: Guto Parente
Depois de um filme anterior calcado no horror como
experiência do sensível, o fantasmagórico A
Misteriosa Morte de Pérola, Guto Parente continua certa investigação de
gêneros nesse O Estranho Caso de Ezequiel.
O filme começa como algo que mira num sobrenatural um tanto quanto acolhedor –
porque temos um homem que perdeu a mulher, mas que recebe visitas da aparição
dela e isso parece lhe fazer bem –, para logo em seguida seguir um caminho tão
áspero quanto inquietante.
Essa primeira parte do filme, quando as coisas nos são
apresentadas, talvez seja um dos momentos mais claros e objetivos enquanto narrativa
de uma obra assinada pelo coletivo Alumbramento, mais direto mesmo em sua
composição, o que não torna o filme menos peculiar dentro do contexto de
produção do grupo que sempre prima pela experimentação.
O luto é posto desde o início, via citação bíblica em
epígrafe, retirado do livro de Ezequiel. Não por acaso é esse mesmo o nome do
protagonista que realmente vivencia momento de pesar pela morte recente da
esposa. Se o filme começa como observação naturalista do cotidiano desse homem
dilacerado, mas sem o excesso da dor, sua vida logo se abala pelo time de
estranhezas inicias que envolvem tanto a aparição fantasmagórica de sua mulher,
como também o surgimento surreal de um personagem muito sui generis, sempre envolto em uma luz esverdeada, que nunca fala,
em estado constante de tremulação corporal.
O filme, então, parte como um estudo dessa estranha relação
a três que se forma a partir de uma dor, mas ganha outras nuances dentro do que
parece ser um universo muito particular que aqueles personagens encontram para
estarem juntos. Há algo de conforto que se busca na partilha da proximidade
natural entre eles próprios, sem nenhum tipo de estranhamento ou repulsa entre
si, como se eles se reconhecessem na marginalidade que os representam enquanto
sujeitos deslocados.
O personagem do vizinho espião pode ser essa ligação com o
mundo concreto, real, como o conhecemos. Mas O Estanho Caso de Ezequiel, já não tão claro e objetivo nessa
altura do filme, dá muitos passos adiante ao lançar seus personagens – ou quem
sabe, lhes dar de presente – a outro mundo possível, paralelo, futurista ou
onírico que seja, mas ainda assim reconfortante, acolhedor, apesar de solitário.
A última parte do filme desparafusa e embaralha o
espaço-tempo e é também o momento em que o filme mais se sente livre para
experimentar na criação visual e sonora que o aproxima da distopia, sem igual
ou referente cinematográfico mais evidente que possamos lembrar por agora. Há
muitas leituras possíveis a serem feitas – o que sempre pode significar um
retorno curioso ao filme –, mas a ideia de uma sociedade totalmente nova,
baseado no amor ao estranho, no reconhecimento fraterno da dor e das
estranhezas do outro, fosse uma chave de entrada num mundo mais justo e
afortunado.
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