Dir:
Yasmin Thayná
Uma belíssima surpresa a exibição desse incensado curta-metragem que fechou o dia de abertura do CachoeiraDoc, exibido em praça pública na noite da terça-feira. Kbela é um claro manifesto que coloca em questão a mulher negra e uma série de outras questões, especialmente delas em relação a seu próprio corpo.
Dirigido
por uma cineasta negra, militante, engajada e ciente do seu papel como comunicadora
e artista com voz e olhar capazes de por em tela representações dessa negritude
feminina e muita coisa que vem junto com ela, o filme poderia ser um simples
panfleto, mas passa bem longe disso. Yasmin Thayná escolhe seguir um fluxo
narrativo performático, apresentando uma série de situações ou “cenas”
independentes – apesar dos temas serem confluentes e orgânicos – ora flertando
com o surrealismo, em outros momentos com o documentário ou com o musical.
O
filme é como um mosaico de esquetes, colocando em questão a resistência da mulher
negra, especialmente a partir da afirmação do seu próprio corpo – os lábios
coloridos falando palavras de desrespeito, a cabeça suspensa de uma mulher
negra recebendo todo tipo de tratamento químico para o cabelo ficar liso, uma
mulher cortando o cabelo da outra; são todas imagens que reafirmam o corpo como
algo potente e representativo, e por isso o filme termina com uma dança que, ao
mesmo tempo, evoca ancestralidade e a própria liberdade do corpo.
Mais
do que pretender proferir um discurso antirracista, de colocar o dedo na ferida
de modo explícito e dito literalmente, de ter que mais uma vez explicar,
exemplificar, mostrar o rosto de uma mulher a contar seu sofrimento ou a sua
luta social, expor os modos pelos quais o preconceito emerge – que é o que
grande parte dos filmes têm feito –, o curta de Yasmin prefere simplesmente
mostrar para reverberar. Kbela possui
uma grande convicção no poder da imagem que, consequentemente, consegue fazer
tudo isso de forma não direta e, portanto, clichê, mas a partir daquilo que as
imagens evocam. Trata-se de um filme repleto de leituras possíveis,
estimulantes a cada olhar.
E
mais que isso: suas imagens são também carregadas de reverberações. Quando uma
mulher negra aparece ensaboando o próprio cabelo e depois esfregando uma panela,
sem nada dizer (é quase uma cena isolada no todo do filme), essa cena remete a
uma série de imagens e discursos que pejorativamente associam o cabelo crespo de
algumas mulheres ao “Bombril”. Ninguém precisa dizer isso no filme porque a
imagem, por si só, já dá conta de nos fazer acessar todo um imaginário que já carregamos,
historicamente, conosco.
Não
que a dor, o sofrimento, o desprezo e qualquer tipo de rejeição à presença de
pessoas de pele negra não sejam mais importantes de serem retratados e
refletidos frontalmente. Mas diante de uma saturação desse tipo de imagem e do
discurso derrotista/denuncista, Kbela
propõe a celebração do ser negro, com suas origens e ancestralidades, a partir
de uma pulsão realmente cinematográfica.
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