Aracati
(Idem, Brasil, 2016)
Dir:
Aline Portugal e Julia De Simone
Aracati atravessa tema muito caro às questões de (des)ocupação de espaço e
que já tem sido abordado em alguns filmes: cidades e/ou pequenas comunidades
que desaparecem para dar lugar a grandes empreendimentos, como represas ou
fábricas. É o progresso chegando, e com ele vêm os questionamentos de “para
quem?” e “a custo de quê?”. Apesar de apontar para essas proposições
sociopolíticas, Aracati busca o registro da melancolia poética
para dar conta de uma paisagem bruscamente ressignificada.
Neste caso, estamos na região do interior do Ceará, o Vale do Jaguaribe.
O filme busca perseguir a rota do vento Aracati, num movimento que sai do
litoral e adentra o interior do Estado. Filmar o vento se torna aqui um
curioso, além de corajoso, ponto de partida, espécie de abstração que, mesmo na
tentativa de ser seguida à risca, ganha outros propósitos porque o vento não
aparece sozinho na paisagem.
Trata-se, talvez, e no bom sentido, de uma bela desculpa para olhar uma
região e algumas de suas implicações na relação com outros elementos -
tecnológicos, humanos. O filme se esclarece todo por imagens – não há narração
ou letreiros explicativos – e a imagem surge aqui como força não só estética,
mas como modo de expressão que interpela a observação.
A entrega a esse tipo de registro faz ver, para além da beleza – mesmo
que à natureza se misturem máquinas e engrenagens, inseridos ali pelo homem – o
espaço em modificação, sem que o filme soe de algum modo denuncista. Ao
contrário, é muito plácido e guia o espectador por um caminho de contemplação e
descoberta, ainda que também de questionamentos.
Existe um formalismo que se apresenta no enquadramento rígido, no plano
longo e na contemplação dos espaços. De início, pode distanciar e parecer frio
demais, excessivamente preocupado com a forma, mas aos poucos o filme te ganha
não só pelas belas cenas, mas pela compreensão do tipo de mudança brusca que
aquele lugar sofreu.
Quando o elemento humano entra de modo mais concreto na narrativa –
penso que ele sempre esteve ali, pelo menos atrás da câmera, mesmo que como
sujeito que vem de fora – o filme cresce um pouco mais. Os homens da terra,
antigos moradores das redondezas que já parecem deslocados naquele espaço tão
pouco afeito à presença humana, são interpelados pela equipe de filmagem e
acrescentam novos componentes ao filme: desde as questões sobre o que seria
real ou não, os limites da ficção, a possibilidade do surreal e mesmo o
repensar do lugar do Ceará no mapa do Brasil, tudo isso com muita graça. São
momentos de rara beleza e espontaneidade que surpreendem pela complexidade com que
se envolvem na narrativa.
É como se essa presença natural do ser humano trouxesse consigo um
componente fabular, pondo em questão a própria natureza realista daquele lugar
– e todo aquele maquinário das fábricas e torres eólicas não seriam,
justamente, marcas “de outro mundo”, alienígena? Dessa forma, Aracati torna-se
uma bela experiência de despreendimentos e descobertas, ainda que sobre uma
sensação de perda pelo o que aquele lugar se tornou.