Histórias que
Nosso Cinema (Não) Contava (Idem, Brasil, 2017)
Dir:
Fernanda Pessoa
Visão
muito original e surpreendente de parte de nossa história cinematográfica está
contida no filme Histórias que Nosso Cinema
(Não) Contava, de Fernanda Pessoa. A cineasta revisita o período clássico
da pornochanchada brasileira, mas não está interessada no sexo: através de
trechos de filmes importantes da época, associados a um movimento tão criativo
do cinema brasileiro, o filme pretende revelar facetas políticas e sociais do
país via representação de imagens em obras que eram bastante populares à época.
É
um trabalho afiado de montagem, dando destaque a cenas que poderiam passar
despercebidas nesses filmes, mas que acabam destacando vislumbres históricos e
comportamentais de uma sociedade em dado tempo. Atenção especial para o fato de
grande parte dessas obras terem sido feitas entre o final dos anos 1960 e início
dos anos 1980, justamente o período da Ditadura Militar.
Daí
afloram diversas questões, tais como as arbitrariedades do golpe de Estado, o
AI-5, o uso da força policial, o milagre econômico, a industrialização
crescente e as oportunidades de trabalho. No plano social, o longa evidencia as
disputas de classe, com destaque para as relações entre patrão e empregado, o
consumismo espelhado no modelo norte-americano (o carro e a televisão aparecem
como modelo de status para quem podia comprar os melhores modelos da época) e,
claro, a monetarização do sexo e exploração do corpo feminino.
O
filme atira para muitos lados, mas não quer em nenhum momento ser um estudo analítico
ou intelectualizado sobre essas e tantas outras questões que emergem dali – não
há narração em off. Busca, por outro
lado, revelar o modo como o cinema, enquanto sistema de representação audiovisual,
reflete o país e a cultura de sua época, mesmo a partir dos filmes mais
improváveis.
Em
Gente Fina é Outra Coisa, de Antonio
Calmon, por exemplo, vemos a protagonista, uma dondoca de meia idade, falar
para o empregado bonitão: “sabe por que eu fico nua na sua frente? Porque
empregado não tem sexo”. São momentos preciosos assim que o filme capta em meio
às narrativas sexuais e que acabam revelando dimensões mais profundas de
relações sociais vigentes – até os dias de hoje.
De
longe, o filme poderia ser uma grande vinheta que opera no sentido de aproximar
filmes diferentes a partir de cenas que exploram questões em comum, atravessando
um mar de problemáticas, situações e comportamentos ali registrados. É aí que o
filme vislumbra um jogo de observação desviante (e necessário) da imagem e da dimensão
social via cinema, apesar de não investir muito na ressignificação desse gesto,
quando ele basta por si só. Trata-se de uma espécie de revisão histórica sem
necessariamente por em crise – os filmes e/ou a História – nem questioná-las. Mas
dá a ver o que não se enxerga a princípio.
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