Pendular (Idem, Brasil,
2017)
Dir:
Julia Murat
Logo
na primeira cena de Pendular, um
casal (vividos por Raquel Karro e Rodrigo Bolzan) divide em duas partes, com
fita adesiva colada ao chão, um galpão que será o local de trabalho dos dois.
Ela é dançarina e coreógrafa, ele é artista plástico. Parecem bem confortáveis
e felizes com esse acordo tácito de repartir o mesmo espaço do ofício,
respeitando um o lugar do outro.
Mas
é claro que essa situação não vai se mostrar tão simples e harmoniosa assim.
Para além das desavenças normais do cotidiano de qualquer casal, a história
deles é contraposta ou somada aos processos de criação artística com que os
dois estão lidando no momento e que exigem demandas e disposições diferentes.
A
diretora Julia Murat compõe com muita delicadeza e sinceridade essa atmosfera
tão particular em que o lugar do trabalho encontra-se com o da intimidade. Essa
aproximação faz pensar na intimidade que existe no ato de produzir arte e na
posição tão subjetiva e sensível que a arte exige do artista, de modos
distintos para cada linguagem e produto. Por outro lado, o filme se coloca em
posição de muito encantamento por esse processo criativo, e aquilo que se
constrói como conflito entre os personagens acaba caindo no lugar comum do
relacionamento que caminha para a crise.
Pendular corre o risco,
desde o início, de se fechar em uma estrutura narrativa que dê voltas ao redor
dos dramas dos dois protagonistas envoltos em conflitos que também estão muito
internalizados – e surge daí, talvez, uma dificuldade de acessar a essência
desses embates por eles se esconderem muito sob uma subjetividade particular.
Não demora muito para que ele diga a ela que precisa de mais espaço, e as
negociações a partir daí se tornam mais complicadas, atingindo a privacidade de
ambos.
O
filme chega a estabelecer uma estrutura de vai e volta na medida em que as
discussões mais diretas do casal são equilibradas com as pazes feitas no dia
seguinte, até se chegar a um ponto limite, e com direito a muitas doses de sexo
– algumas muito explícitas na maneira de demonstrar a profusão sexual que
existe entre eles; afinal, eles podem até brigar, mas transam bem intensamente, que fique claro.
Nesse
sentido, o sexo funciona muito como reflexo da potência do corpo, palavra-chave
desse filme. Todos os movimentos que o filme faz passa pela consciência
concreta da existência de corpos em choque ou em efusão criativa, à flor da pele, o que atinge o próprio trabalho artístico de ambos – e se a dança é muito explícita nesse
sentido, as esculturas dele possuem algo de robusto que remete a uma concretude
corporal. Pendular é, portanto, um
filme muito físico e ao mesmo tempo por demais “subjetificado”, quase que enfeitiçado
demais pela beleza e pureza do que compõe como movimento daqueles corpos em
relação às disputas de espaço e às sentimentais.
Ao
mesmo tempo, eu realmente vejo uma delicadeza sincera no filme, uma
sensibilidade notável ali que passa por esse processo duplo, arte e
entrosamento a dois. Mas é o que também me joga em um lugar de distanciamento
pelo filme operar sempre no limite da aceitação desse jogo que se opera entre
os personagens, sem ir muito a fundo neles a não ser pela exploração do drama
do casal – para ser mais claro: as DRs, que poucas vezes saem do lugar do banal
–, tornando-o frio em certo sentido ou com a sensação de que já vimos isso antes
e sabemos como vai terminar.
Esse
é o mesmo problema que eu sinto com o filme anterior da cineasta, Histórias que Só Existem Quando Lembradas,
muito cativante na sua proposta de aproximação entre realidades distintas que
se opera entre os personagens do filme, mas ancorando-se em uma premissa que
parece bastar enquanto gesto de delicadeza e captação de sensibilidades, atuado
pela cineasta e pela protagonista ao viajar para um lugar remoto no interior do
país a fim de fotografar pessoas isoladas. Os personagens de Pendular talvez experimentem, por outras
vias, um tipo de isolamento que o filme tenta dar substância, por mais próximos
que estejam um do outro – tão longe, tão perto... –, mas corre o risco de
afetar a própria experiência do espectador com um afastamento indesejado.
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