Era Uma Vez
Brasília
(Idem, Brasil, 2017)
Dir:
Adirley Queirós
Há
sempre um filme brasiliense na mostra competitiva do Festival de Brasília, o que
muitos chamam de cota. Mas um filme de Adirley Queirós não é cota, está longe
disso. Estaria longe também por ser “um filme da Ceilândia” e não de Brasília,
como gosta de tratar o próprio diretor, fazendo referência à região
administrativa do Distrito Federal onde mora e de onde produz um discurso politizado
e contundente através de suas obras. Claro que há nisso um fator de provocação
inerente ao cinema de Adirley como forma de entendimento do seu lugar de fala e
também com a finalidade de tensionar noções como a de espaço e mobilidade civil na região do
Distrito Federal.
Era uma Vez
Brasília
talvez esteja imbuído, em certa medida, desse propósito de pensar um espaço onde determinados sujeitos estão inseridos e, dessa vez, meio que aprisionados,
estanques, pelas confluências políticas do país e o estado de crise política
atual que compartilhamos. Mas quando o longa se bastar somente ao retrato desta situação, o
filme empaca, inexplicavelmente, no meio do caminho. Causou certo mal estar a
sessão no festival, certamente por conta das altas expectativas e interesse que o
trabalho de Adirley provoca em um público mais atento ao cinema independente, mas também por toda uma incompletude que o filme desvela
porque constrói uma preparação de forças, uma concentração de energia, que
nunca se liberta de todo, nunca se torna (re)ação, nunca ganha corpo e explode. Permanece engasgada com a gente.
O
ponto de partida é genial: conta a história do agente intergaláctico WA4
(Wellington Abreu) que recebe a missão de assassinar o presidente Juscelino
Kubitschek no dia da inauguração de Brasília. Por algum erro, acaba aportando
nos dias atuais, em Ceilândia, logo após o golpe que destituiu Dilma Roussef da
presidência da República. Enquanto ele não chega, acompanhamos as interações
entre dois remanescentes desse mundo aparentemente distópico e esvaziado que é
a Brasília da Era Temer – a sinopse também anuncia: “Este é um documentário
gravado no ano 0 P.G. (Pós Golpe), no Distrito Federal e região”. Andreia (Andreia
Vieira) e Marquim discutem sua realidade e a necessidade de tomada de posição.
Assim
como no filme anterior de Adirley, Branco
Sai, Preto Fica – que inclusive venceu o Festival de Brasília em 2014 –, o
novo trabalho do diretor utiliza as marcas do cinema de ficção científica para
dimensionar uma atmosfera pós-apocalíptica a fim de fazer um retrato paródico,
de fortes cores politizadas, do que se vive hoje em termos de arbitrariedade no
Brasil. Também serve como representativo do lugar de deslocamento das periferias em relação aos centros
de poder, algo que Ceilândia exemplifica muito bem em meio a toda a situação de
crise e caos político que acompanhamos dia a dia, estarrecidos.
Adirley
considera seu filme um documentário, apesar das fortes marcas de fabulação, talvez
por reproduzir, a seu modo, um sentimento atual de desânimo e desamparo frente
às crises e encaminhamentos políticos do Brasil de hoje. O filme tem a
consciência de construir algo desestabilizador como narrativa e proposta de
ação política, jogando a responsabilidade para o espectador. É clara a
proposição do realizador em criar um espaço de deslocamento, de estranheza, via
marcas do sci-fi, mas especialmente
através da cadência do tempo estendido e das ações inconclusas, fincadas no
plano das ideias e sugestões. Ao mesmo tempo, tal postura pode ser vista também
como incapacidade de construir algo para além de “denúncia” de certa inércia. Ainda
mais se pensarmos em Era uma Vez Brasília
como um claro prolongamento conceitual de seu petardo anterior, um filme muito
mais ativo e mesmo explosivo como posicionamento declarado, e que não precisava
esquivar-se da ação.
Das
muitas cenas emblemáticas do filme – o churrasco na nave, o pouso, a preparação
na arena de luta – há uma em que Marquim mira com sua arma em direção ao
Congresso Nacional, distante no horizonte, e finge atirar no lugar, ação sem
efeito prático. Adirley, que já explodiu o Congresso no filme anterior, não
quer repetir o gesto, até porque o compasso do novo filme é outro, subentende
outra postura – diferente da anterior por ser agora da ordem da ilustração (como
uma observação do que acontece hoje no país, essa inércia absurda), quando
antes era da ordem da proposição (mesmo que simbolicamente, era uma chamada à ação).
Mas
é a força do tempo que incide sobre o novo filme a responsável por uma mudança
de humores e disposições. O gesto de distensão do tempo, da tensão e do sentimento
de angústia, ao não ganhar corpo e atitude, é o que faz de Era uma Vez Brasília um filme estranhamente conformado já que sua
composição narrativa, posta em atitude de inoperância desde o início, não consegue
fugir de um duvidoso movimento circular que corre o risco de não ter fim e se
encerrar em si mesmo.
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