segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Entrevista com Edgard Navarro

Havia postado aqui um link para a entrevista que fiz com o cineasta baiano Edgar Navvaro, mas como esse link se perdeu, decidi postar a entrevista integralmente. Àqueles que não acreditam, olha eu lá embaixo na foto (em cima de um degrau que me faz parecer mais alto do que sou) e o Navarro em carne, osso e irreverência. Agora, a entrevista:
O baiano Edgard Navarro começou a carreira de cineasta na década de 70 filmando curtas e médias-metragens, com os quais ganhou prêmios importantes no país, se tornando uma das grandes promessas do cinema baiano. No entanto, somente em 2005 conseguiu finalizar seu esperado longa-metragem Eu Me Lembro, que arrebatou nada menos que sete Candangos no Festival de Brasília, incluindo Melhor Filme, Diretor, Roteiro e Atriz. Presente na noite de abertura da 3º edição da Mostra Cinema Conquista, cujo filme de abertura é justamente seu premiado longa, Navarro nos concedeu essa entrevista com sua habitual irreverência.

Qual a sensação de um ter um filme do senhor abrindo a Mostra Cinema Conquista aqui na terra de Glauber Rocha?

A sensação é de muita felicidade. Foi um convite auspicioso para minha alma, estou aqui em estado de graça. Essa cidade perto do céu, voltada para as estrelas, uma cidade cristal. Estou muito feliz.

Faltam mais eventos como esse na Bahia?

A proliferação desses eventos está acontecendo de uma forma natural a partir da demanda. Acho importante que ocorram com a regularidade que vem acontecendo agora, a revolução apenas começa para o audiovisual na Bahia. O governo Lula tem apontado para um audiovisual com incentivo bastante promissor, com uma regionalização da produção, exibição na TV pública, da nossa imagem. É isso que a gente precisa ver e não a imagem enlatada. O momento é promissor, de revolução, de alegria e que as mostras proliferem com essa qualidade da Mostra de Conquista na escolha dos filmes que vão ser exibidos.

Quais as dificuldades de se fazer cinema aqui na Bahia?

É muita dificuldade. Eu fiz muitos filmes durante a minha vida, e os filmes fizeram algum sucesso, foram premiados em festivais importantes como o de Brasília, Gramado, e mesmo assim eu não consegui dar continuidade em minha carreira. Eu parei simplesmente por falta de recurso. O carlismo foi um embarreiramento bem claro para essa produção baiana porque ele não tinha uma política para o audiovisual. À custo de uma organização da classe, que foi amadurecendo e pressionando, foi que a gente conseguiu um edital pra fazer esse primeiro longa-metragem depois de quinze anos de paradeira. Eu estreei de cabelos brancos no longa-metragem. A minha geração foi e eu fiquei. Mas nunca é tarde para se recuperar o tempo perdido. Nós estamos com uma Bahia diferente e com quatro longas ou cinco em curso e temos esperança de que esse quadro fique cada vez mais promissor. E a gente torce para que atinja essa rapaziada, essas novas cabeças e corações para que eles dêem continuidade a esse sonho do audiovisual que é lindo.

O senhor começou sua carreira com curtas-metragens e só agora lançou um longa, não é isso?

Sim. Eu sempre fui muito escrachado. Eu fiz filmes sobre merda, com palavrão, putaria, o título de um deles era o Rei do Cagaço. Eram filmes que tentavam liberar um inconsciente coletivo reprimido de minha geração que estava muito preocupada com uma atitude política no sentido mais tradicional. E eu estava numa contra mão disso tudo, embora eu estivesse preocupado em fazer a luta, mas a minha alma era outra. Eu não tinha coragem ou talvez convicção para pegar em armas e partir para a luta armada, a guerrilha, a violência. Isso é dito no filme Eu Me Lembro. Então minha violência era de outro teor, ao invés de sangue, eu jogava merda no ventilador, fazia coisas que chocavam. A bendita transgressão da juventude com a qual eu estava de alguma forma canalizando e me salvando, até porque se não fosse fazer arte, talvez eu tivesse sido aprisionado por algum demônio fantasmagórico da minha mente e talvez eu precisasse ser internado em um hospício. Eu cheguei perto daquela fronteira da esquizofrenia. Aliás, eu fiz um filme, o Superoutro, para fazer essa leitura da loucura e ainda bem que eu escapei, estou vivo, feliz e produzindo. Espero produzir mais coisa. Estou com um novo projeto que se chama O Homem que Não Dormia, vai ser rodado na Chapada Diamantina e já tem uma parte dos recursos, o ano que vem estaremos filmando.

Eu Me Lembro é uma espécie de ode à memória. Como foi conceber esse filme?

Não foi difícil. É só tentar trazer esse baú mental das memórias, das emoções. Houve muita emoção que estava recôndita e ela flutuou e eu fui pondo aquilo no papel de uma forma desordenada, e descobri que tinha um roteiro muito maior do que poderia caber em duas horas de filme. Mesmo assim, ficou bastante grande, mas ganhou um edital para poder ser rodado.

A Mostra esse ano é composta somente de filmes nacionais. Como o senhor vê essa escolha?

Uma escolha muito consciente e inteligente. E é isso que a gente precisa, ver um cinema nacional de qualidade, acordando essa juventude para um novo tempo da humanidade. Tem um filme meu que começa com uma frase do Glauber: “Acorda humanidade”. É por aí.
O que falta para que exista uma formação de público para o cinema brasileiro?

A face do audiovisual no Brasil está mudando. Programas como DOC TV, Revelando Brasis, estão possibilitando atender a uma demanda muito grande para essa rapaziada que tem sede de se exprimir audiovisualmente, criando condições para que esses filmes sejam veiculados de alguma forma, através de cineclubes, da Programadora Brasil, as TVs públicas. Em médio prazo, o panorama que tivemos há até poucos anos vai mudar. Confio nisso, acredito que assim está se fazendo a revoluções, trazendo filmes dessa qualidade, desse teor, filmes brasileiros que comecem a formar platéia e mudar as consciências e os corações da rapaziada.

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