sábado, 21 de janeiro de 2012

Drama e fantasia

Contos da Lua Vaga Depois da Chuva (Ugetsu Monogatari, Japão, 1953)
Dir: Kenji Mizoguchi


Meu primeiro filme do mestre japonês Kenji Mizoguchi é também uma de suas obras mais festejadas e conhecidas. O título Contos da Lua Vaga Depois da Chuva parece apontar para a reunião de histórias. No entanto, no filme, adaptado de dois contos do romancista Ukinari Ueda, há uma narrativa que une a trajetória de dois homens que ambicionam o sucesso e a riqueza em meio à guerra civil no Japão feudal do século XVI.

Enquanto Genjuro (Masayuki Mori) pretende a todo custo permanecer na aldeia fabricando e vendendo artigos domésticos de cerâmica, mesmo com a eminência de ataques de saqueadores, Tobei (Eitarô Ozawa) pretende se tornar um samurai, embora não possua tanta habilidade com a espada.

O que primeiro chama atenção no filme é como Mizoguchi consegue imprimir uma atmosfera de drama social, depois passear pela história fantasiosa com uma naturalidade impressionante e ainda voltar ao comentário realista ao final do filme. Tudo isso com tamanha precisão e sem mudanças abruptas de tom. O toque fantástico está na aparição de uma misteriosa mulher que surge para Genjuro como uma viúva rica, revelando posteriormente sua verdadeira e bizarra faceta.

Além disso, existe todo um cuidado estético na construção dos planos e da narrativa, uma mise-en-scène sempre muito bem arquitetada, com destaque para longos planos em que a câmera se movimenta discretamente no espaço. Assim, não se pode acusar o diretor de calculista já que todo esse cuidado passa quase despercebido numa rápida visualização (sempre um bom sinal de trabalho bem executado), sem exibicionismos.

Não à toa, o filme levou pra casa o Leão de Prata de direção no Festival de Veneza no ano de lançamento. Cenas como a do encontro com o moribundo no meio do lago, o surgimento inesperado da voz do pai morto da viúva ou o retorno de Genjuro para casa e sua grande desilusão, ficaram famosas pela força de sua encenação, mas também por sua simplicidade estética. A única ressalva ao filme recaia sobre alguns diálogos que soam mastigados demais, como que explicando a situação dos próprios personagens em dada situação, mas nada que pese ou tire os méritos do filme.


A defesa ao feminismo e a denúncia da situação de desamparo das mulheres numa sociedade arraigada em costumes tão tradicionais quanto machistas, defesa pela qual o diretor é sempre apontado, surge no filme na relação que os protagonistas estabelecem com suas esposas (consequentemente, suas famílias). Elas são deixadas de lado pelos maridos quando a busca pelo sucesso exige que eles partam sozinhos para tentar a sorte em outra região mais próspera, abandonando-as ao sabor das circunstâncias de perigo constante.

Como diz Tobei logo no início do filme, “a ambição deve ser ilimitada como o oceano”. Essa mesma falta de limitação que cega e leva à perdição, mas da qual o ser humano nunca deixará de perseguir. Assim, Contos da Lua Vaga Depois da Chuva perpassa pelo drama e pela fantasia para, no fundo, apontar para a ganância que mora no coração do homem e que se sobrepõe à própria família. À própria felicidade.

2 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Nota máxima, Rafael. Ele merece. É pura poesia.


O Falcão Maltês

Rafael Carvalho disse...

Pois Antonio, acho que essa coisa do texto parecer um pouco redundante, às vezes, tenha tirado um tantinho de força do filme. Mas continua sendo um filmaço mesmo assim.