quinta-feira, 31 de maio de 2012

Troça intergaláctica


MIB³ – Homens de Preto (Men in Black III, EUA, 2012)
Dir: Barry Sonnenfeld
 

Misturar ficção científica com comédia não parecia uma das receitas mais interessantes, mas eis que MIB – Homens de Preto, quando lançado em 1997, teve seu sucesso num filme divertidíssimo e embebido de um espírito nonsense total. Poderia dizer que essa terceira incursão (melhor que a segunda, aliás) carrega as mesmas marcas que deram sustentação aos projetos anteriores, embora sem o mesmo vigor cômico. O mais interessante é que foi dirigido pelo mesmo cineasta, embora sua irregularidade não chega a conferir desastre aqui nesse tipo de franquia que dificilmente resiste muito tempo, com qualidade.

MIB³ - Homens de Preto 3 continua explorando o absurdo das situações, a entrega ao humor negro despretensioso e, principalmente, o delicioso lado inventivo em desenvolver não só criaturas as mais diversas e esquisitas (eco criativo que o aproxima do excelente trabalho de Guillermo Del Toro em seus filmes, por exemplo), ajudado por um ótimo uso de efeitos especiais, como também os equipamentos, armas e toda sorte de artefatos usados no filme. Nesse sentido, a composição do novo vilão, Boris (vivido por Jemaine Clement) é das mais felizes e bizarras.

E se o protagonismo do filme teve de deixar de lado Tommy Lee Jones e o ar sisudo e experiente do seu Agente K (a química entre ele e Will Smith era uma das melhores coisas dos filmes anteriores, contraponto interessante de personalidades já que o Agente J se revela mais brincalhão e malandro), ele ganha reforços pela ótima presença de Josh Brolin. Vivendo a versão mais nova de K, já que a trama faz voltar no tempo para que J impeça que seu fiel companheiro seja morto pela antagonista Boris, o filme cria uma nova dupla eficiente e convincente.

Assim, essa nova parceria, que poderia ser bastante desastrosa para a continuação, passa no teste. Por outro lado, o texto fica a dever, em especial à sagacidade do primeiro filme. Se pode haver por parte do público certa intenção de rir mais, o filme pouco contribui para isso com piadas poucas vezes inspiradas (referências a Mick Jagger e Andy Warhol são destaques, assim como certa observação de um bebê no início do filme). Homens de Preto 3 fica no mediano, mas podia ser bem pior, o que deixa incertezas para a vontade de conferir uma nova investida nesse universo.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

3X Zhang Yimou



Uma Mulher, Uma Arma e Uma Loja de Macarrão (San Qiang Pai an Jing Qi, China/Hong Kong, 2009)
Dir: Zhang Yimou


É interessante pensar nessa refilmagem conduzida pelo veterano cineasta chinês Zhang Yimou como um corpo estranho não por subverter a essência do filme original em que ele se baseia (refilmagem do neonoir e excelente filme de estreia dos irmãos Coen, Gosto de Sangue), mas sim por não abraçar com afinco o pastiche a que se propõe fazer desde o início. Pois Uma Mulher, Uma Arma e Uma Loja de Macarrão transpõe para a China medieval a história do marido que contrata um assassino para acabar com o caso extraconjugal da esposa com um de seus empregados. O filme começa com um tom pastelão, mas logo vai perdendo o pouco da graça que constrói, partindo para uma atmosfera mais séria na segunda metade da história que tampouco parece convencer.

Nada contra a brincadeira que nunca desmerece o filme dos Coen, mesmo com todo o seu colorido berrante kitsch, a expansividade dos gestos dos atores e o absurdo de algumas situações que o filme não faz questão de levar tão à sério. Mas Yimou demonstra aqui pouco tino para a comédia, ele que se notabilizou por grandes dramas, sendo Lanternas Vermelhas a maior e mais bem sucedida das referências. O filme parece ensaiar muita coisa junta em um único produto e a sensação final é de mistura que só desanda.


A Árvore do Amor (Shan Zha Shu Zhi Lian, China, 2010)
Dir: Zhang Yimou

 
Por mais original que parecia ser a incursão do cineasta no universo do pastiche com o estranho e nunca convincente Uma Mulher, Uma Arma e Uma Loja de Macarrão, é no campo do drama romântico que o diretor se sai melhor. Não é diferente nesse A Árvore do Amor, que tem a qualidade de ser um conto defendido por uma protagonista ingênua num filme que nunca o é. Durante a dura Revolução Cultural Chinesa, nos anos 60, uma estudante (Zhou Dongyu) vai trabalhar e morar no campo e se apaixona por um jovem geólogo (Shawn Dou). O filme percorre um bom tempo de idas e vindas de um relacionamento juvenil que se desenvolve entre os dois, mas que nunca se fortalece de fato por conta das pedras no caminho que surgem a ambos, tanto por questão sociopolíticas, como também pessoais, muito por parte dele e sua frágil saúde.

Yimou apresenta aqui seu lado mais sutil e romântico ao filmar essa história sempre com sensibilidade, seja no cuidado com que faz aproximar, aos poucos, os dois jovens, seja na singela música que toca pontualmente na narrativa ou nos fades que demonstram a passagem do tempo, nunca bruscamente. Outra qualidade da história é que as situações mudam constantemente, e será sempre uma surpresa o que os próximos atos nos guarda. Mesmo quando a situação fica mais dramática e complicada para os personagens, o tom não se torna pesado, embora se mostre evidentemente mais emocional. É nessa chave de melodrama sutil e sincero que Yimou se sai melhor, um respiro de grande amor em seus últimos filmes.


Flores do Oriente (Jin Líng Shí San Chai, China/Hong Kong, 2011)
Dir: Zhang Yimou


Seguindo o passeio de gêneros feito recentemente pelo cineasta chinês, Flores do Oriente surge como um filme de guerra, mas que tem seu pé no drama, ora choroso ou violento demais. Num misto de Platoon com A Lista de Schindler, estamos na cidade chinesa de Nanquim, dominada e massacrada pelas forças japonesas que dominam a região, poucos anos antes de ter início a II Guerra Mundial. Nesse ambiente desolador, o mercenário e agente funerário norte-americano John Miller (Christian Bale) encontra uma igreja intocada pelos inimigos que além de servir como refúgio para as garotas do convento, vai abrigar também um grupo de prostituas; todas em busca de proteção. John, então, assume o papel de padre do lugar sagrado a fim de salvar sua própria pele também.

Esse tipo de história parece bastante perigosa para um cineasta como Yimou porque os horrores da guerra, por si só, já são suficientes para chocar e causar comoção no público. Mas o diretor vai além em busca de nuances mais emotivas (coisa que ele faz com bem mais sutileza nos belos A Árvore do Amor ou Um Longo Caminho). Se aqui esse tom nem é tão exagerado, ainda assim enfraquece a narrativa porque soa como pedido de pena por aquela situação. O grafismo da violência é outra tentativa de chocar e mostrar o quanto uma guerra é sangrenta e cruel, e não há nenhuma novidade nisso. Dessa vez o drama trazido por Yimou fica no meio do caminho, deixando talvez uma grande cena que é o plano-sequência, talvez deslocado, em que duas garotas são perseguidas por soldados inimigos. Um tipo de ousadia que pouco se vê durante o longa.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Da arte e suas trucagens*

Cópia Fiel (Copie Conforme, França/Itália/Bélgica, 2010)
Dir: Abbas Kiarostami

Se o cinema iraniano possui uma vertente muito ligada ao neorrealismo italiano, fazendo com que muitos filmes venham se repetindo numa tentativa de olhar para as questões sociais do país através de uma narrativa direta e crua, Abbas Kiarostami parece ser um dos cineastas do país que mais buscam hoje uma renovação para esse modelo. Suas experimentações cinematográficas revelam um diretor inquieto com sua arte e suas possibilidades de reorganização estética.

Foi assim com Close-Up, por exemplo, misto de ficção e documentário, que usa as próprias pessoas envolvidas numa história real de falsidade ideológica para se interpretarem no filme, ou no radical Shirin que se constrói totalmente com as expressões faciais de mulheres de uma plateia de cinema enquanto assistem a um filme. Portanto, não é de se estranhar que seu mais novo projeto, Cópia Fiel, seu primeiro filme fora do Irã, filmado na Itália e falado em inglês, francês e italiano, faça uma instigante e inusitada discussão sobre originalidade e falseamento, aqui longe das preocupações de cunho social.

Cópia Fiel traz à tona essas questões através do encontro entre o escritor James Miller (William Shimell) e a dona de uma galeria de arte (Juliette Binoche). Ele a conhece na Toscana onde foi convidado a palestrar sobre seu mais novo livro, justamente intitulado “Cópia Fiel”. Os dois se conhecem e passeiam pelas belas paisagens da cidade italiana enquanto falam sobre as noções de cópia e autenticidade dentro do campo das artes, nos levando a pensar sobre se o real valor da arte não está justamente na cópia (representação do mundo real que, por sua vez, se constitui como objeto de observação do próprio fazer artístico).


Mas aí, surpreendentemente, a narrativa começa a seguir um percurso inusitado em que os personagens vestem outras máscaras, revelando as fragilidades e angústias das relações amorosas, numa das viradas de roteiro mais interessantes dos últimos tempos. O texto de Kiarostami tem o cuidado de mudar o viés da história com uma naturalidade impecável, mas sem nunca esquecer seu tema principal, agora aplicado ao caso dos próprios personagens que se tratam como um casal em crise discutindo a relação. A vida também revela suas trucagens.

Kiarostami acompanha seus personagens com uma câmera que está a serviço de suas caminhadas. Para onde vão, lá está ela como que espreitando cada movimento, principalmente as nuances e mudanças de comportamento de seus objetos de estudo. O melhor do filme é a forma inusitada com que as situações vão se desenhando, gerando curiosidade para o próximo passo que será dado. Imprevisível, Cópia Fiel põe em cheque as expectativas do público na mesma medida em que aprofunda suas observações sobre o lugar do real na própria narrativa.

E nesse percurso de observação e mudança de perspectiva, há de se destacar o trabalho dos atores que defendem personagens e discussões tão complexas. Binoche, que já havia trabalhado com o cineasta em Shrin (longa originado de um curta para o projeto coletivo Cada um com Seu Cinema), domina o filme do início ao fim, e não parece fazer esforço algum pra isso. Natural e verdadeira como as melhores atrizes sabem ser, faz jus ao prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes em 2010, destaque que há muito já merecia. Mas vale pontuar também a interpretação segura de Shimell que se sustenta em pé de igualdade com sua parceira de cena.


Kiarostami revela mais uma vez sua veia de inquietude, à medida que questiona o próprio fazer artístico, sem contudo se abster da observação do cotidiano que tanto está presente em seus filmes. Talvez não faça tanta diferença que a arte seja vista como uma cópia da realidade (com todas as implicações que isso possa ter), mas que seja capaz de expor as mazelas e particularidades do mundo ao redor. Algo que o cineasta sempre buscou fazer com extrema qualidade através de seu ofício.

Assim, Cópia Fiel apresenta, sem nunca tentar explicar, o truque (ou o sortilégio, como queiram) da dicotomia cópia/original, que ganha forma e concretude na mudança que se opera na relação entre os dois personagens. Dessa forma, acaba por evidenciar o próprio cinema enquanto artifício artístico que nada mais é do que um retrato (ou vários deles em movimento) da vida real, e do qual o espectador decide se aceita ou não confiar.

Daí que é importante pensar, por exemplo, que o reflexo dos prédios que surge no vidro do carro enquanto os protagonistas adentram o interior do país, são meros reflexos (que por sua vez, embaça o rosto dos próprios atores); não passam de impressão borrada do seu objeto real. Mas seriam os verdadeiros prédios mais importantes, interessantes ou preponderantes do que suas imagens refletidas naquele vidro, naquele instante? Talvez importe menos saber se o homem e a mulher não passam de desconhecidos ou se são mesmo casados, e muito mais conhecer e compartilhar suas angústias e dilemas, sejam eles sobre as artes ou suas próprias vidas.


*Essa crítica foi a vencedora do Concurso Estadual de Estímulo à Crítica de Artes, na categoria Audiovisual, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb).

sábado, 12 de maio de 2012

Curtinhas


À Toda Prova (Haywire, EUA/Irlanda, 2011)
Dir: Steven Soderbergh


Que filme de ação estiloso esse do Soderbergh. Um dos cineastas mais prolíficos do nosso tempo é também um dos mais irregulares, variando bastante em temáticas e estilos. Nas vezes que ele acerta, como nesse aqui, se não podemos esperar um filmaço, pelo menos tem-se a sensação de tempo e dinheiro bem gasto com diversão e adrenalina. O roteiro se embaralha um pouco nas idas e voltas que dá para costurar a história da agente secreta que tenta descobrir por que está sendo perseguida pelos seus próprios companheiros, na medida em que busca vingança contra os agora traidores.

As cenas de luta são todas muito boas, viscerais no sentido de soarem mais cruas e conviventes mesmo, com a protagonista batendo e apanhando na mesma medida, ajudada por uma montagem eficiente e ritmada como são nos bons filmes de ação. Por isso faz muito sentido que a protagonista desse filme seja a ex-lutadora de MMA, Gina Carano. Seu casting e presença de cena funcionam muito bem dentro do projeto (muito melhor que a escalação da ex-atriz pornô Sasha Grey para fazer o insosso Confissões de uma Garota de Programa, por exemplo). À Toda Prova ainda tem aquele gostinho de produto B descartável, mas que agrada bem enquanto dura.


O Porto (Le Havre, Finlândia/França/Alemanha, 2011)
Dir: Aki Kaurismäki


Uma das coisas mais cativantes no cinema do finlandês Aki Kaurismäki é de como suas narrativas estão para um registro nórdico que valoriza o ritmo vagaroso, a falta de pressa, uma expressividade seca do elenco (algo bem bressoniano), mas que apesar de tudo isso transparece uma ternura muito grande por seus personagens (qualidade que se aplica também ao cinema do grego Theo Angelopoulos, por exemplo). No fundo, é um cineasta otimista, geralmente com a trilha sonora fazendo o papel de comentar essa ponta de prosperidade nos seus trabalhos. O Porto só vem contribuir para fazer jus a uma filmografia repleta de personagens sofridos, com problemas, mas sempre seguindo em frente em busca de realização. Aqui, um homem pobre, Marcel Marx (André Wilms) ajuda garoto africano refugiado ilegalmente (Blondin Miguel) a se esconder da polícia, pois pretende cruzar o mar para chegar às terras inglesas onde alguns de seus familiares já se encontram.

Por mais que Kaurismäki transporte a história para uma cidade portuária francesa (lugar mais propício às discussões da migração clandestina justo por ser uma dos destinos mais almejados na Europa), é perceptível a estética visual colorida, quase kitsch, visto em filmes como O Homem Sem Passado e Luzes na Escuridão. Interessante como o diretor-roteirista apresenta uma gama de personagens que compõem o universo de Marcel, aparentemente sem importância, mas que ganham relevância para o desfecho da história. Assim como a trama paralela da doença incurável de sua esposa terá papel importante, mas para reafirmar, mais uma vez, o direito à felicidade. Para Kaurismäki, ela só chega através da bondade.


Jogos Vorazes (The Hunger Games, EUA, 2012)
Dir: Gary Ross


Esqueçam possíveis relações com a Saga Crepúsculo. Jogos Vorazes, apesar de protagonizado por adolescentes em história de aventuras, com doses de melodrama injetado no meio da trama, possui propostas temáticas e até mesmo tratamento estilístico bem distintos e mais interessantes. Adaptado de um livro homônimo de sucesso (parte de uma trilogia), seu maior trunfo é estar ancorado numa trama de aventura violenta, mas ainda assim se deter bastante em desenvolver seus personagens. Em especial a jovem e destemida Katniss (Jennifer Lawrence), garota de uma vila que acaba sendo uma das concorrentes de um jogo em que é preciso matar os demais jovens para vencer. Se inicialmente ela parece perdida em meio ao jogo político dentro do jogo, logo vai aprendendo a buscar vantagens. Mesmo assim, até o fim do filme, motivações e atitudes dos personagens passam por mudanças interessantes e nunca abruptas.

Interessante como esse filminho que mira o público jovem consegue manter um subtexto político sutil, propondo alguma reflexão, mas sem exagerar no tom. Além disso, existe um curioso e feliz uso da câmera da mão que surpreendentemente funciona muito bem no sentido de criar tensão, seja na primeira metade preparatória do filme, com as intrigas e conspirações sendo formadas (parte que eu mais gosto), seja quando as próprias disputas mortais começam no campo de batalhas. Aí, o filme perde um tanto porque força algumas situações (principalmente quando as regras do jogo mudam), mas ainda tem sua parcela de boa aventura.


Battleship – Batalha dos Mares (Battleship, EUA, 2012)
Dir: Peter Berg


O que tanto desagrada em Battleship – Batalha dos Mares é sua principal motivação: expor o espectador o tempo que puder à estética da destruição com suas explosões, ataques e bombardeiros desferidos, de um lado, por máquinas mortíferas que chegaram do espaço, contra navios de guerra da Marinha norte-americana. Seria até interessante se entregar à adrenalina da situação, caso o filme tivesse um mínimo de cuidado com sua trama e seus personagens. Mas tudo é tão imbecilizado, a começar pelas motivações dos personagens, suas falas clichês (Rihanna só está no filme para dizer coisas do tipo: “Meu pai sempre disse que isso ia acontecer”, a vidente). Fora as tramas paralelas que envolvem a necessidade de amadurecimento do tenente Alex Hooper (Taylor Kitsch) e a tentativa de que seu superior (Liam Neeson) aceite o namoro dele com sua linda filha.

Dizer que o filme é baseado no jogo Batalha Naval parece dos mais absurdos porque existe somente uma tentativa de acrescentar uma artimanha encontrada pela tripulação para substituir os radares interceptados pelas forças alienígenas, o que simularia um jogo de tabuleiro. Seria mais apropriado identificá-lo como uma versão genérica e piorada de Transformers, já que os vilões chegam equipados de máquinas destrutivas que se assemelham a robôs mal feitos. Sobra, assim, mais um produto da indústria hollywoodiana de produzir anestesia nos espectadores que se dispuserem em sentar pouco mais de duas horas para serem atingidos por obra tão vazio e recalcada.

domingo, 6 de maio de 2012

Autoterapia


Um Método Perigoso (A Dangerous Method, Reino Unido/Canadá/Alemanha /Suiça, 2011)
Dir: David Cronenberg



Por mais que esse filme pareça um corpo estranho na obra bastante coesa de David Cronenberg (não há escatologia, vísceras, cabeças explodindo, nem violência gráfica), faz bastante sentido dentro do projeto de cinema do diretor canadense. Para quem construiu uma filmografia, dentre outras coisas, que provoca no espectador a vontade em ver o grotesco, é bastante interessante tentar entender de onde vem essa fascinação.

Assim, os embates intelectuais dos inicialmente amigos Freud e Jung em torno da construção e florescimento da psicanálise surgem como uma luz possível para explicar essa adoração pelo estranho. Mas principalmente, como a violência pode causar interesse e, mais forte ainda, satisfação nas pessoas. Pois é justamente esse o caso de Sabina Spielrein (vivida por uma afetada Keira Knightley), paciente que chega a Jung sofrendo de histeria. Os conflitos de neurose da moça têm origem na estranha excitação que ela sentia quando o pai lhe espancava quando criança.

Num sentido mais subjetivo e interpretativo, funcionando quase como um subtexto no filme, esse seria justamente o paralelo com a própria obra do diretor (fascinação pela violência). Assim, uma visão possível do filme é de que ele funciona quase como um exercício de autoterapia do cineasta, presente para seus expectadores e fãs. Mas de uma forma mais geral e perceptivelmente objetiva, Um Método Perigoso marca o encontro desses dois grandes pensadores do inconsciente e os embates ideológicos que mantiveram.

Nesse sentido, o filme é bastante clássico ao apresentar esses personagens e seus conflitos científicos, sendo o que realmente importa aqui. O grande problema do filme é que, por mais que nada pareça estar fora de lugar, não parece haver grandes motivações a se acompanhar. De certa forma, isso é prejudicado por um roteiro que possui alguns saltos no tempo, interrompendo determinados conflitos que estavam sendo fechados para se deter em outros, muito próximos entre si, mas ainda assim fica a sensação de brusquidão e irregularidade.

E se a composição da personagem de Keira Knightley parece inicialmente exagerada demais, caindo em um overacting que beira o ridículo, a coisa pode ser vista pelo prisma justamente da subversão. Seria uma maneira de Cronenberg, nesse filme mais “comportado”, dar vazão às pulsões psicológicas que modificam e violentam o corpo, marca autoral dos trabalhos do diretor canadense. Mesmo assim, não parece funcionar como representação de alterações do físico, além de estarem muito além das atrocidades que já vimos em seus filmes (mesmos nos mais classe A, dos últimos anos, como Marcas da Violência e Senhores do Crime).

Por outro lado, as composições classudas de Viggo Mortensen e Michael Fassbender, respectivamente Freud e Jung, criam figuras dotadas de autoridade, bem contidos na representação dos homens sérios que eram. Da mesma forma, a direção de Cronenberg ganha um estranho ar de classicismo, seriedade e, consequentemente, de limpeza. Não que isso se torne um demérito porque toda a construção narrativa é bastante coerente e sólida, como o filme pede. Só não contém riscos.

Assim, em Um Método Perigoso, tudo parece estar posto com muita facilidade. Existe respeito para com os acontecimentos históricos e os personagens, os fatos são claros, as discussões estão ali apresentadas, seus desdobramentos são claros. Mas soa tudo muito sem personalidade, frio. No fim das contas, é um filme sem tesão. Justo esse, Cronenberg?