terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Louca ingenuidade


O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, EUA, 2012)
Dir: David O. Russel


No retrato que desenha de seus dois protagonistas, os jovens com problemas mentais Pat (Bradley Cooper) e Tiffany (Jennifer Lawrence), O Lado Bom da Vida é exemplar em não torná-los caricaturas do louco desvairado ou do doente cheio de tiques esquisitos. Eles estão entre o limite da sanidade e à beira da recaída, mas lutam e se esforçam para melhorar, da melhor forma que julgam poder se restabelecer em sociedade. É essa ingenuidade que torna os protagonistas tão interessantes de acompanhar e por quem torcemos até o fim.

Por isso não incomoda que os protagonistas aqui se mostrem tão infantis em comportamento, uma vez que esse é o mundo deles, a prisão de onde tentam escapar (e há escapatória possível?). Mas é uma coisa muito diferente quando o filme e mesmo os demais personagens passam a praticar o mesmo tipo de atitude, cultivando uma espécie de condescendência cega à situação e às atitudes dos dois jovens.

É caso da mãe que retira o filho do sanatório sem grandes preocupações sobre sua real possibilidade de voltar para casa; o policial que acompanha o jovem em suas infrações, nunca suficientes para levá-lo de volta ao sanatório; ou ainda o terapeuta do rapaz, um conselheiro supostamente confiável, mas que se envolve numa briga boba como se resolvesse, de repente, se portar como um adolescente imprudente. Ou seja, tudo é conformado para que os protagonistas continuem fazendo atos inconsequentes, que serão vistos com condescendência e bons olhos mais tarde, tudo facilmente perdoável em prol de um sentimento de feel good final.

Isso me lembra A Garota Ideal, filme em que o personagem de Ryan Gosling sofria de distúrbios mentais, se apaixonava por uma boneca inflável, e os demais personagens passavam a aceitar a situação, por recomendação médica, como forma de não chocar o rapaz com a realidade, embora não escondessem o absurdo da coisa. Havia um acordo tácito de que assumir essa atitude infantil pudesse ser positivo para ajudar o personagem a melhorar de alguma forma.

É o tipo de armadilha fácil a que O Lado Bom da Vida se entrega, em prol da trajetória de redenção e crescimento dos personagens, mas via banalização dos comportamentos dos demais. Pat acabou de sair do sanatório e quer a todo custo se reconciliar com a ex-esposa, apesar de tê-la flagrado traindo-o com um colega de trabalho, o que acabou despertando o acesso de loucura do personagem. Nesse retorno, acaba conhecendo Tiffany, bela e instável, dividindo com ele o mesmo tipo de desequilíbrio mental, encontrando apoio um no outro. Participar de um concurso de dança de salão parece a solução que eles encontram para espantar seus problemas. Eles se entendem em seu próprio universo.

Depois de fazer O Vencedor, em que os personagens eram tão ricos em suas atitudes e sentimentos, e o roteiro estava sempre disposto a tornar coisas e pessoas mais complexas, chega a decepcionar que David O. Russel tenha comprado aqui um roteiro que por vezes cai no banal, tornando as coisas simples ou fajutas demais (a cena em que Tiffany convence o pai de Pat que o fato dos dois andarem juntos é o que garante a vitória do seu time de futebol é um desastre nesse aspecto, impelindo o homem a fazer apostas absurdas a partir de uma lógica que só tem sentido na mente ingênua dela).

Daí que as atuações de Jennifer Lawrence e, surpreendentemente, Bradley Cooper elevam tanto o filme, pois defendem seus personagens sem exageros dramáticos (e ajuda muito também que o filme não torne o encontro dos dois um mero romance anunciado). E Robert De Niro, como o pai de Pat, apesar das atitudes equivocadas de seu personagem, passa longe de ser um mero coadjuvante de luxo. De fato, O Lado Bom da Vida é um retrato interessante de doentes mentais, longe de lugares-comuns, mas rodeado de situações e tipos frágeis e fragilizáveis.

3 comentários:

BRENNO BEZERRA disse...

Fiquei encantado com esse filme e não consigo enxergar nada de artificial nele.

Matheus Pannebecker disse...

Uma palavra define: decepção. Mais um filme do David O. Russell que não me entusiasmou. E olha que gosto desses dramas naturalistas e familiares. Só Bradley Cooper me impressionou aqui!

Rafael Carvalho disse...

Brenno, realmente teve muita gente que curtiu o filme. Eu queria muito ter gostado mais, e não sei se acho artificial, mas sim bobinho demais, com algumas jogadas baixa de roteiro.

Matheus, também me decepcionei, até por ter gostado tanto de O Vencedor. Cooper também me surpreendeu, o personagem dos protagonista são bem bons, mas o restante não consigo engolir.