quarta-feira, 20 de março de 2013

Curtinhas


Tudo que o Céu Permite (All that Heaven Allows, EUA, 1955)
Dir: Douglas Sirk

Melodrama rasgado de um dos maiores estetas desse gênero, Tudo que o Céu Permite é um primor de composição, mesmo que esteja atado ao sistema comercial do filme clássico hollywoodiano. Mas é mesmo nesse meio que Douglas Sirk sente-se a vontade para construir os dramas românticos que o notabilizaram, demarcando sua influência por muito tempo depois, até os dias atuais. É muito fácil torcer pela protagonista desse filme, uma viúva (Cary Scott) que vive com os filhos e se vê cortejada por alguns homens. Mas ela vai cair de amores mesmo é pelo jardineiro da família, o simples, mas carinhoso, Ron Kirby (Rock Hudson).

As convenções sociais de uma classe média norte-americana de meados do século passado são as vilãs aqui, encarnadas não só na hipocrisia social, via falatório geral que chega à protagonista de forma impiedosamente direta, mas mesmo dentre os filhos dela, ambos dando as costas para a mãe e sua busca pela felicidade amorosa. Como história, esse seria mais um drama romântico assim como tantos outros, mas há aqui o olhar afiado de Sirk para a composição visual, abusando das cores de tons fortes, um trabalho de mise-en-scène cuidadoso e sem firulas, aliado a um texto rápido, objetivo e cheio de nuances. É como se alcançasse, com extrema simplicidade, um nível de proeza sem abandonar as normas clássicas da narrativa. Por tudo isso resiste ao tempo e continua hoje como uma das maiores referência para o melodrama.


O Medo Devora a Alma (Angst Essen Seele Auf, Alemanha Ocidental, 1974)
Dir: Rainer Werner Fassbinder 


Fassbinder, fã confesso de Douglas Sirk, não resistiu e praticamente adaptou aqui a trama de Tudo que o Céu Permite. O melodrama do diretor do Novo Cinema alemão segue os mesmos passos narrativos, embora o drama clássico e rasgado dá lugar a um tratamento mais duro, seco, além, é claro, do contexto social ser uma Alemanha que se reergue política e economicamente. Nesse momento, muitos imigrantes vivem em busca de trabalho no país e é por um deles que a viúva Emmi (Brigitte Mira) vai se envolver, o marroquino Ali (El Hedi ben Salem), que na verdade tem o mesmo nome do ator que o interpreta, mas é chamado de Ali pela facilidade da pronúncia. Ou seja, a condição de imigrante o anula enquanto indivíduo autônomo, é mais um na massa de trabalhadores de fora.

Mas apesar de O Medo Devora a Alma contar com a condução segura de Fassbinder, falta maior consistência no roteiro, especialmente na forma como o casal é confrontado com os olhares de desprezo que expõem o preconceito social/racial. Tudo parece ser muito escancarado, conformado para que sintamos pena pela situação. Falta mais sutileza no embate que se estabelece entre os dois e as pessoas ao redor que rejeitam aquela relação. Como forma de deixar à mostra nitidamente o preconceito, o filme esbarra numa crítica por vezes somente interessada em se fazer presente no discurso do filme. Mas apesar disso, Fassbinder enche de ternura aquela relação que luta para vencer as convenções e até mesmo se sustentar com segurança pelo próprio casal.


Amor é Tudo que Você Precisa (Love Is All You Need, Dinamarca/Suécia/Itália/França/Alemanha, 2012) 
Dir: Susanne Bier


A dinamarquesa Susanne Bier é uma das diretoras que hoje dialogam muito bem com o melodrama, embora seus filmes costumam ser mais densos, como o maravilhoso Depois do Casamento. Fugindo um pouco dessa vertente, esse Amor é Tudo que Você Precisa investe na comédia romântica por meio do encontro inusitado de um casal improvável, mas fadado ao entrelace amoroso. O ambiente da costa italiana confere o tom de exotismo, e a festa de casamento de um jovem casal inspira as paixões vindouras, novas e as que se prometem há algum tempo. Pois é o pai do noivo e a mãe da noiva que formam o par central da história; Ida (Trine Dyrholm), uma cabeleireira recentemente trocada pelo marido por uma moça mais jovem, e Philip (Pierce Brosnan), o homem de negócios fechado em seu mundo de trabalho. 

Mas mesmo com essa atmosfera de amor prometido, o filme adentra também o drama familiar que reúne as pessoas para que elas possam lavar a roupa suja dos conflitos que se acumulam em qualquer família. O problema do roteiro é que na maior parte das vezes ele infantiliza os personagens, primeiro para apostar em um humor abobalhado (embora nunca apelativo), e depois a fim de forçar determinadas reviravoltas um tanto quanto improváveis. No âmbito da infantilização, quem mais sofre é mesmo a protagonista, tão ingênua em sua atitude passiva diante dos problemas que lhe surge, tudo para que a aproximação com o galante personagem de Brosnan pareça a melhor opção de redenção depois de tanto desamor e desprezo. Uma protagonista fragilizada, emocionalmente abalada (ela termina um tratamento de câncer que lhe tirou um seio), mas usada como isca para uma ação de reviravolta. De fato, Bier se dá melhor quando pega mais pesado.

6 comentários:

Elton Telles disse...

Estou devendo uma nova visita a "O Céu Que Nos Permite". Vi há milênios, não tinha formação cinematográfica alguma e lembro absolutamente de nada. E é Bertolucci, sempre bom apreciar.

Desses, só vi o Fassbinder, aliás, o primeiro Fassbinder que vi. Gosto como tudo é administrado, elenco, história e a direção, mas chega nem aos pés de seu melodrama clássico. Já vi muitos exclamando ser o melhor filme do diretor; eu gosto, mas acho o inverso disso.

Abs!

Elton Telles disse...

Meu rapaz, houve um equívoco aqui hahaha! Eu bati o olho no título do primeiro filme e não me toquei que se tratava do Sirk, e sim do Bertolucci com a Debra Winger, saca? Tô ficando maluco...

Concordo absolutamente com a sua "curtinha" deste melodrama. Só não é o melhor do diretor porque "Imitação da Vida" é masterwork!

Elton Telles disse...

E o nome do filme lá é "O Céu Que Nos Protege", pqp.
Vontade de apagar tudo e começar de novo ahahaha!
Estou há quase 24 horas sem dormir, mereço um crédito, cara...

Gustavo disse...

Vou retweetar este post por causa do que você escreveu sobre o tão admirado clássico do Fassbinder. Eu não tive nem coragem de organizar minha opinião e escrever algo a respeito, mas sinto a mesma coisa que você. Esperava uma obra-prima contundente de um diretor que é qualquer coisa menos afável e convencional...

Mas o filme foi uma enorme decepção. Talvez o impacto tenha sido diluído por eu ter visto FEBRE DA SELVA alguns dias antes, sei lá. Mas é dos mais fracos que vi do Fass até agora. É a primeira vez que vejo alguém ter opinião semelhante.

bruno knott disse...

O único filme de Susanne Bier que assisti foi Em Um Mundo Melhor, que entrou na minha lista dos melhores de 2011. Confesso que estranhei que o próximo trabalho dela seria uma comédia romântica assim... não me parece que tenha muito a oferecer, mas devo assistir eventualmente.

Rafael Carvalho disse...

Relaxa, Elton, ato falho normal. Sobre o Fassbinder, também já vi muita gente louvando bastante o filme. Achei falho, uma boa proposta, com direção linda, mas com um roteiro meio capenga. Sobre o Sirk, eu gosto de Imitação da Vida, mas ainda prefiro esse, está tudo no lugar certo ao mesmo tempo em que é tudo muito simples, clássicão, é incrível.

Ah, valeu Gustavo. Também fiquei decepcionado com o filme, não consigo ver essa genialidade que tanta gente enxerga. Mas bem, outras coisas dele vão tirando esse gostinho amargo, e ainda preciso ver mais obras do cara.

Bruno, acho a Bier uma boa cineasta, tem coisas muito boas, como Depois do Casamento, e coisas não tanto, como Entre Irmãos. Ela se dá melhor quando faz uns filmes mais duros, na comédia romântica deixou a desejar.