segunda-feira, 2 de junho de 2014

Monstro-deus

Godzilla (Idem, EUA/Japão, 2014)
Dir: Gareth Edwards



É muito curioso que uma nova versão do mito do Godzilla chegue aos cinemas poucos anos depois do acidente nas usinas nucleares de Fukushima. O Godzilla já representou o medo contra as armas atômicas após o desastroso final da II Guerra quando apareceu nos cinemas japoneses em início dos anos 1950 como esse monstro gigantesco, fruto aberrante das explosões das bombas atômicas.

Agora, mais uma vez revisitado pela indústria cinematográfica hollywoodiana, Godzilla é fiel ao histórico da criatura japonesa gerada em decorrência da insistência humana em manipular a perigosa energia nuclear. O filme conduz com precisão o iminente acordar da fera quando duas outras criaturas desconhecidas, também originadas das experimentações nucleares, põem em risco a vida na Terra.

Existe prazer em experimentar certa atmosfera de apreensão que o longa constrói sem pressa, especialmente ao acompanhar os desvarios e a preocupação irada do Dr. Joe Brody (vivido intensamente por Bryan Cranston). Cientista que perdeu a esposa (Juliette Binoche), há 15 anos, num acidente na usina nuclear onde ambos trabalhavam nas Filipinas, ele está convicto da existência de algo sobre-humano prestes a acordar por entre as águas do Pacifico.

É, portanto, menos um filme de ação e pancadaria desenfreada, vide o exemplo da quase a totalidade dos blockbusters que são lançados constantemente nos cinemas, e mais uma história de aflição e catástrofe iminente. Há, como de praxe, a história familiar que serve de contraponto microscópico à grandiosidade do(s) monstro(s) que chegam e arrasam o que há pela frente.



A subtrama da família dilacerada marca presença aqui porque o Dr. Joe possui um filho, o soldado Ford (Aaron Taylor-Johnson), um tanto afastado do pai e tendo deixado mulher (Elizabeth Olsen) e filho pequeno para lutar por seu país. Mas é nessa reconfiguração do drama humano que o filme mais se perde porque os conflitos dos personagens são frágeis, até certo ponto descartáveis, constando somente como lugar-comum das produções desse tipo.

Muito curioso isso porque Edwards dirigiu anteriormente o também ótimo Monstros, produto muito diferente desse novo longa. Tratava-se de um falso filme catástrofe porque se aproveitava das marcas do gênero para falar do drama pessoal de duas almas melancólicas e seus conflitos emocionais. O fator humano que tanto sobrava nesse filme é justamente o que falta ser trabalhado com maior propriedade em Godzilla. 

Sobra então a iminência do confronto entre os monstros e a tentativa humana de detê-los, e também de compreendê-los. É aí que no final entende-se a natureza complexa do Godzilla e aquilo que representa na ordem natural das coisas, ainda que fruto da estupidez humana.

Nenhum comentário: