segunda-feira, 14 de julho de 2014

Sob o signo do fogo

Riocorrente (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Paulo Sacramento



Há algo de positivo em ver num filme brasileiro vontade tão grande de registrar e dar conta da sensação de morar numa grande cidade de um país tão desigual quanto o Brasil. Riocorrente busca um retrato impetuoso dessa cidade cão que São Paulo pode ser, num filme que nos chega pela marca do simbolismo, exalando brutalidade a cada cena.

Por isso é uma pena enorme que uma proposta tão corajosa emperre num problema grave de roteiro: abundam ideias, falta história e faltam personagens. O discurso combativo do filme parece questionar a forma como lidamos com a imagem artística no mundo atual, fala do estado de violência, da rejeição dos oprimidos pela sociedade, da falência do cotidiano, dentre tantas outras questões que podem ser pinçadas/interpretadas por cada um. Tudo isso cuspido na tela em forma de imagens ao léu que se querem impactantes, mas que perdem sua força logo em seguida porque não encontram continuidade num discurso cinematográfico coeso.

No entanto, há uma dessas ideias a ganhar o mínimo de consistência no longa (ideia central?): a urgência de questionar o status quo, “incendiar” a cidade. Sacramento apresenta vigor interessante na forma como cria uma série de metáforas para representar a ebulição da cidade. Riocorrente rege-se pelo signo do fogo, a cena do carro incendiado em disparada na estrada é uma das imagens mais fortes do filme em termos simbólicos, fora a cena final que representa muito bem esse conceito.

A iminência da combustão parece guiar os protagonistas, sempre confrontados com situações que parecem exigir-lhes cada vez mais uma reação diante da simples angústia de estar no mundo (ou, mais especificamente, de estar em São Paulo). O problema é quando toda essa vontade de mostrar a cara bruta da cidade esbarra num mero preciosismo simbólico de cenas que gritam a “força” do filme. Daí que dispara cenas como a dos leões rugindo na jaula, cães raivosos ladrando um para o outro, ratos roendo pilhas de jornais, o sinal que insiste em permanecer vermelho. Metáforas não faltam ao filme.

Os tipos quase marginais que Sacramento escolhe para guiar sua narrativa são cheios de inquietações e angústias, mas é muito difícil dimensioná-las no filme. Renata (Simone Iliescu) divide-se num relacionamento com o namorado, o jornalista Marcelo (Roberto Audio) e o mecânico Carlos (Lee Taylor). Esse último, por sua vez, possui uma proximidade quase paternal com o menino de rua Exu (Vinicius dos Anjos), a marginalidade estampada em sua feição dura. Todos sujeitos à vibração esmagadora de São Paulo. 

Mas é difícil entender, se importar ou acreditar naquelas pessoas que se machucam, às vezes de forma a mais gratuita possível. O próprio filme nega seu passado, seu contexto, sua história; são impenetráveis. Parecem reféns de um estado de coisas socialmente conturbadas e brutais, cada um deles com seus demônios pessoais (sem que nunca tenhamos uma noção exata de quais são eles de fato). Riocorrente termina e não se sabe ao certo de onde vem e aonde quer chegar.

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