sábado, 13 de dezembro de 2014

A família e o cosmos

Interestelar (Interstellar, EUA/Reino Unido, 2014)
Dir: Chistopher Nolan


Interestelar toca em questões complexas e profundas, como o destino da raça humana e a possibilidade de vida fora do Planeta Terra, e parecia haver um grande problema nisso aí: Christopher Nolan. O diretor dado a exageros e mania de grandeza poderia tornar tudo muito acima o tom (inclusive na direção dos seus atores), mas prefere um caminho mais sóbrio, centrado nos dramas humanos, ainda que um pouco carregados.

Tá certo que Interestelar também se estende mais do que devia, porém passa como um bom exemplar de ficção científica, instigantes nos desdobramentos que cruzam os caminhos de seus personagens. A história nunca se torna autoimportante ao investir em temas apocalípticos e mesmo metafísicos.

Existe, ao contrário, um cuidado maior com os personagens que ultrapassa a mero investimento em ação desenfreada, outro caminho fácil que o filme poderia seguir, em busca de um público como o da trilogia do Cavaleiro das Trevas. Interestelar toca especialmente nos temas familiares, incitados a partir da trajetória de seus personagens e, principalmente, das escolhas que eles precisam fazer.

Cooper (Matthew McConaughey) é um engenheiro frustrado, ainda fascinado pela tecnologia e os mistérios do universo. Vive com a família numa fazenda quando o mundo sofre com as pragas que devastam as plantações e tempestades de areia destroem tudo. O futuro da Terra está nas mãos de uma expedição da Nasa em busca de outros planetas habitáveis. Cooper vai ser incorporada a essa missão, tendo de abandonar a família, que não sabe se reencontrará algum dia.

Deixa pra trás especialmente a filha Murph (Mackenzie Foy quando criança, Jessica Chastain, adulta), tão inteligente quanto, apegada a ele, seguindo seus mesmos caminhos profissionais. Há também a Dra. Brand (Anne Hathaway) filha do cientista idealizador de toda a missão (Michael Caine). É, portanto, numa dimensão familiar que Nolan coloca seus personagens, tornando-os mais do que peças numa trama de ficção espacial. A coisa macro da responsabilidade e grandeza da empreitada encontra paralelo (ou mesmo esbarra) nas questões emocionais que movem seus personagens no íntimo.

Uma cena em particular em que Cooper recebe uma mensagem da família depois de uma reviravolta inesperada que envolve a passagem do tempo é emocionante por aquilo que representa para o personagem. Também a atitude do astronauta interpretado por Matt Damon é mais uma das peças complexas que se movem na mente e na vontade humanas, falhas e mesquinhas, contrapondo-se mesmo à tarefa maior de salvar a humanidade.

Por isso é importante que o filme conte com um bom time de atores. McConaughey, dado a se repetir sempre e exagerar nos últimos papeis, encontra aqui o tom certo do profissional responsável e pai amoroso. Anne Hathaway é a que mais surpreende porque sua personagem é cheia de conflitos e a atriz nunca apareça acime do tom (o que fazia a exaustão em Os Miseráveis – ou seja, ganhar o Oscar lhe fez muito bem). Chastain tem pouco tempo em cena, mas é presença forte, continuando o tom carismático, mas de caráter forte, de sua personagem quando criança.

Uma pena que o longa, na sua parte final, não consiga conter-se e se entrega ao dramalhão que tanto tentava evitar. A necessidade de aparar arestas e deixar tudo arrumadinho, satisfatoriamente, acaba prejudicando a crueza que a história viria a ter. Também se demora em momentos que se querem emocionantes, o lado humano do filme gritando seu valor. Não precisava porque, nas entrelinhas, Interestelar já tinha certo caráter intimista, talvez atrapalhado pelo lado megalomaníaco de seu diretor.

2 comentários:

Brenno Bezerra disse...

Ainda não vi, mas me fico negativamente impressionado em como Interestelar foi mal recebido.

Rafael Carvalho disse...

Brenno, eu até entendo porque tanta gente não gostou do filme, pode soar pretensioso demais, principalmente pelo que o Nolan já fez antes.