quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Poética das paixões no sertão

A História da Eternidade (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Camilo Cavalcante


A poesia bruta do sertão explorada mais uma vez. Camilo Cavalcante passeia pelos tipos que já foram largamente utilizados nesse tipo de ambiência: garota de família patriarcal tem sonho pulsante em conhecer o mar; o tio, um artista incompreendido, o pai, um grosso; em outros núcleos, há ainda o neto que retorna à terra natal, para alegria da avó, e o sanfoneiro cego que clama o amor de uma mulher em luto pela morte do filho pequeno.

São histórias que se entrecruzam na paisagem árida do interior nordestino, com suas regras e morais instituídas. Chega a ser um risco manipular velhos temas e tipos batidos desse ambiente já tão exposto nas artes em geral. O que sustenta o filme é a direção segura de Cavalcante, sua estreia no longa-metragem depois de um extenso trabalho com curtas.

A paisagem interiorana ganha um tratamento que segue um fluxo de tempo muito próprio, calmo, ainda que as questões que movam os personagens vão crescendo em intensidade. Nuances de viés mais proibido (como a atração da sobrinha pelo tio ou da avó pelo neto), também pondo em xeque a moral de seus personagens (o neto que volta fugindo de encrenca na cidade grande) surgem para complexificar as relações daquelas pessoas entre si, também no contexto de vida em que se encontram.

Nesses embates, o longa beneficia-se de um time de atores de primeira. Marcélia Cartaxo e Zezita Matos personificam muito bem essas mulheres fortes do interior, uma que nega o amor em prol do luto, outra com o coração balançado pela descoberta de um neto não tão pródigo assim. Mas o destaque mesmo é para um Irandhir Santos radiante, frágil pela epilepsia que lhe acomete, mas cheio de vigor por conta de sua condição de artista maldito e contestador num ambiente desfavorável.



Duas cenas suas se destacam: quando performatiza, na rua, Fala, dos Secos e Molhados; e aquela em que ele “apresenta” à sobrinha o mar. Em ambas as sequências a câmera, em travelling circular, parece hipnotizada pela disposição e olhar poético daquele homem, artista pulsante e inquieto. 

É o respiro que o filme permite em contraponto à dureza de uma vida severina; há arte ali. É esse tipo de olhar aguçado para a poética das paixões em meio à coisa bruta que Calvalcante explora tão bem. Nota-se nele um cineasta consciente do seu poder de encenação, ainda que seus temas não sejam assim dos mais originais.

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