Orestes
(Idem, Brasil, 2015)
Direção:
Rodrigo Siqueira
Apesar
de fazer parte de nossa história recente e sangrenta, a Ditadura Militar no
Brasil ainda tem sido muito pouco discutida, revirada, entendida em seus
pormenores pela sociedade de modo geral. No cinema, ela tem marcado uma
presença ainda tímida porque insiste em ser registrada de modo engessado – seja
na forma de revelar depoimentos dos envolvidos, seja na exposição gráfica da
tortura, de modo que um filme como Noite
Escura da Alma, por exemplo, é super necessário pela denúncia mesmo que faz
em termos locais, como se na Bahia a coisa ainda estivesse sendo discutida em
estágio inicial em termos de se dar a conhecer, tanto social como
cinematograficamente mesmo.
Orestes é como um passo
adiante na maneira como se utiliza a linguagem cinematográfica como potência
para criar um emaranhado narrativo que dê conta da complexidade do assunto, sem
cair em lugares-comuns, sem ser taxativa e resoluta, antes como gesto de inquietação
e provocação, mas com um alcance enorme do que o tema pode nos provocar como
discussão atual. Ainda mais porque, a partir dos regimes ditatoriais e das duras
“leis” que o regiam, o filme versa também sobre conceitos mais amplos como os
de “justiça” e “democracia”.
Orestes consegue fugir
do lugar comum da mera denúncia e nem se esperava esse tipo de filme de quem
fez um longa tão curiosamente intrincado como Terra Deu, Terra Come. Rodirgo Siqueira embaralha histórias e
registros, ficções e ficcionalizações dessas ficções, nas bordas do
documentário e da encenação.
A
narrativa parte do mito grego de Orestes, peça em trilogia escrita por Ésquilo.
Ali, o protagonista é julgado pela morte da mãe que teria assassinado antes o
pai; julgado por um júri popular, Orestes é inocentado pelo voto de Minerva.
Conta-se que esse episódio foi fundamental para a instituição da democracia na
sociedade grega. De posse dessa história, Siqueira promove aqui um julgamento
simulado de Orestes, como se vivesse nos dias atuais. Paralelamente, ele coloca
em um mesmo espaço pessoas que tiveram parentes próximos vítimas de violência
urbana – alguns favoráveis à pena de morte, outros não – e promove uma espécie
de psicodrama para que eles lidem com seus fantasmas.
Não
é tarefa fácil amarrar essas pontas, mas o filme consegue mesmo atualizar a
discussão sobre o estado atual de um país com leis frágeis e brechas para o
exercício da crueldade e da injustiça social, associando a violência urbana a
uma sequela que herdamos dos tempos de chumbo. Certamente é o tipo de filme que
merece ser revisto com atenção para por em ordem as tantas questões e registros
que Siqueira consegue amalgamar ali, mas que não deixa de revelar a sua força
já na primeira visita a ele.
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