Últimos
Dias em Havana (Últimos Días en la Habana, Cuba/Espanha,
2017)
Dir:
Fernando Pérez
Último
filme a participar da mostra competitiva do Cine Ceará, Últimos Dias em Havana, do veterano cineasta Fernando Pérez, reverbera discussões muito próximas às de Santa
e Andrés, ambientadas agora no tempo atual. Estão lá, mais uma vez, como algo muito caro aos cineastas cubanos, questões como a validade ou não de
abandonar a ilha e o estilo de vida que o sistema político vigente impõe aos
cidadãos. E tal como no filme anterior, há um embate um tanto quanto
contraposto entre os dois protagonistas do filme que vivem sobre o mesmo
teto, numa casa no bairro Centro
Habana.
Diego
(Jorge Martínez) é um homem solitário que vive prostrado numa cama por conta
das complicações com a AIDS. Quem lhe assiste é o introspectivo Miguel (Patricio
Wood) que não vê a hora de conseguir o visto para o Estados Unidos e deixar a ilha
de vez. Sonha acordado com a possibilidade de refazer a vida em um país
capitalista. Diego, por sua vez, se opõe e mesmo passando dificuldades, defende
a vida e a permanência no lugar.
Olhando de perto, essa dita contraposição vai se revelar falsa no decorrer do filme porque, no
fundo, Diego não quer mesmo é pensar na possibilidade de viver sem o amigo ao
lado, solitário que é (são), ainda que mantenha com ele um relacionamento de amor
e ódio. Não passa pela sua consciência política – pelo menos não explicitamente
– defender o sistema sociopolítico da Cuba atual por questões morais
particulares, mas antes encontrar ali um apego capaz de confrontar as ideias do
amigo que ir para longe.
É
muito através do olhar de Miguel que o filme nos faz ver um retrato muito cru
sobre as durezas e pequenas alegrias da cultura e dos modos de vida cubanos, colocando
em xeque as posições antagônicas sobre a validade de seguir morando na ilha,
com todos os problemas e restrições que fazem parte do cotidiano local. O
roteiro, no entanto, não apela para o tom dramático, preferindo apostar na
leveza e no bom-humor, apresentando uma série de outros personagens que cruzam
o caminho dos dois, cada qual lidando de modo diverso com os planos de futuro.
O michê que Diego insiste que Miguel traga para ele se torna um improvável
amigo e confidente, e que revela, por trás do estereótipo, alguém
que também pensa em como melhorar de vida, sem precisar sair de Cuba.
Não
bastasse a verve irreverente de Diego, homossexual assumido, cheio de
disposição, falastrão de língua afiada – mais um contraponto em relação ao
taciturno Miguel – outros personagens vão se somar a esse núcleo. Morando numa
espécie de prédio com várias casas vizinhas por andar, o filme constrói uma
rede de (poucas) amizades ao redor deles – e de onde surgem algumas desavenças
também, ninguém é de ferro –, o que alarga as possibilidades de discussão da
rotina do povo cubano humilde. A chegada da sobrinha de Diego, mais tagarela
ainda que o tio, desencadeia outras discussões, como a maternidade precoce, mas
também descamba nas perspectivas de futuro dela e do jovem namorado, também
eles com posições diferentes sobre a permanência em Cuba.
A
agenda do filme coloca claramente em pauta a relação desses personagens com o
regime político da ilha e os dilemas morais e ideológicos que envolvem a vida no país. Mas segue além da mera disputa de opiniões, preferindo
encontrar nesses encontros e nas pequenas batalhas diárias modos de ver a
situação sem apelar para polarizações fáceis e caricatas. Fernando Pérez é
certamente hoje o mais proeminente dos cineastas cubanos em atividade. Esse tom
geral ganha enorme fluidez nas suas mãos, o que faz de Últimos Dias em Havana um belo filme duro e divertido, agridoce em
essência.
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