O Nó do Diabo (Idem, Brasil,
2017)
Dir:
Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhésus Tribuzi
O
filme é episódico, mas mais do que buscar uma unidade entre os segmentos, O Nó do Diabo quer contar uma mesma
história, pretensiosamente a história da incorporação da população negra no
cenário sociopolítico brasileiro através dos tempos. São cinco partes, a
começar num futuro super próximo (2018) e que vai regredindo a tempos de
outrora. Fora isso, é moldado a partir de um mergulho profundo nos gêneros de
horror, trash e gore e que ajudam a formar
também essa unidade em termos de conceito e construção estética.
Não
deixa de ser corajoso e desafiante que o filme se proponha a fazer tal estudo
social via marcas de gênero que tanto têm servido para espelhar as mazelas e
todo tipo de arbitrariedades políticas em sociedades no mundo todo. Na verdade,
é importante se questionar: o filme parte do horror para fazer crítica social
ou o inverso? O que veria primeiro nas intencionalidades do grupo de quatro
realizadores que se juntaram para articular e produzir esse corpo estranho da
filmografia brasileira? Sim, porque existe um claro trabalho em conjunto senão
na direção dos segmentos, na concepção dos roteiros de cada parte que são,
geralmente, assinados por mais de uma pessoa – às vezes pelos quatro juntos.
Também
vale destacar que, de certo modo, os diretores paraibanos Ramon Porto Mota, Ian
Abé e Jhésus Tribuzi encabeçam o projeto por serem eles mais próximos e
visivelmente apaixonados pelo cinema de horror, sendo o filme feito no seio da
produtora que eles fundaram em sociedade, a Vermelho Profundo. O mineiro
Gabriel Martins foi convidado a entrar no time. Curiosa essa escolha que, a
despeito das proximidades e amizades entre eles, chama
atenção por Gabriel ser o único negro dentre os realizadores, e sem um
histórico de produção no cinema que caminhasse por esse gênero – e mais
curioso ainda é poder afirmar que o segmento que ele dirige é mesmo o melhor dos cinco.
Parece-nos
importante fazer tais considerações porque O
Nó do Diabo é claramente um filme que busca pensar a figura do sujeito
negro a partir de um ponto de vista pouco usual: são protagonistas em quase
todos os episódios, sujeitos e não mais objetos das ações dos costumeiros
personagens brancos. É como se o filme buscasse contar a história da escravidão
no Brasil e suas perceptíveis consequências sociais enraizadas na sociedade
atual partindo do olhar e dos dilemas desses personagens, geralmente usados
como coadjuvantes em outras narrativas – algo que inevitavelmente tomou conta
do fenômeno de discussão sobre o tema a partir dos debates em torno de certos
filmes no Festival de Brasília (sim, estou falando de Vazante e Café com Canela).
Porém, se
o gesto de colocar em cena esse viés da história é algo a ser louvado, o filme não
está isento de outros enviesamentos que lhe são consequentes. A utilização do
horror acaba reforçando, via marcas do gênero, um imaginário de dor e
sofrimento a que o corpo negro é sujeitado há muito tempo. Nesse sentido, o
filme parece partir do terror para se chegar a essa discussão social, mas
estando o gênero à frente de tudo; ele é quem rege os movimentos e passos que o
filme segue ao redor das micro-histórias que conta e de um macrocosmo que busca
atingir.
Ora,
o terceiro episódio do filme – que se passa em 1921 –, por exemplo, dirigido
por Ian Abé, traz duas irmãs que ainda são tratadas como escravas na
fazendo de um rico proprietário – de sobrenome Vieira, presente em todos os
segmentos e sempre interpretado pelo mesmo ator, o ótimo Fernando Teixeira. Ou
mesmo a parte dirigida por Martins (que se passa em 1987) coloca o casal de
protagonista em uma situação de coação, violência e degeneração do corpo quando
eles pedem emprego numa estranha casa rural em meio a um engenho decadente onde os senhores e a própria casa começam a persegui-los e maltratá-los,
invocando uma força maligna que emana de sua essência. Não se trata aqui de esconder
a força da violência, de negá-la ou negligenciá-la como dado histórico mesmo, mas de sempre voltar a ela
como subterfúgio imprescindível para falar desses sujeitos, de suas vivências e
passagem pela História do Brasil.
Os
diretores e roteiristas precisam explorar a figura da dor e do sofrimento
do corpo negro, potencializados agora pelas marcas e “exigências” do filme de
terror trash e gore a que o filme se filia. Daí que pensar as mazelas sociais que
a escravidão deixou como herança maldita começa a parecer, no filme, um mero
capricho, tal qual um bônus, a partir do momento em que o filme se mostra muito
encantado pelo próprio fetiche de se estar fazendo cinema de gênero no Brasil –
algo que vem crescendo a partir de outras experiências parecidas e
bem-sucedidas, como o trabalho de Rodrigo Aragão e sua trilogia trash total (Mangue Negro, A Noite do Chupa-Cabras
e Mar Negro), ou de filmes como O Diabo Mora Aqui, de Dante Vescio e Rodrigo
Gasparini. O Nó do Diabo pode claramente ser posto ao lado dessas produções em
termos conceituais, mas na tentativa de dar um passo adiante, acaba se enrolando
e correndo o risco de reforça aquilo que pretendia denunciar.
Um comentário:
O Nó do Diabo é bom demais, esse história foi muito bem contruida e feita. Por isso, deveria ser um grande sucesso!!
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